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Pediatria Descomplicada

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Garantir saúde, carinho e bem-estar na infância. Esse é o objetivo de cada linha escrita por Kelly Oliveira, pediatra e consultora internacional de amamentação.
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O que envolve, de fato, a discussão sobre o aborto?

Colunista reflete sobre o que está em jogo quando se fala na interrupção de uma gravidez

Por Kelly Oliveira
Atualizado em 13 nov 2022, 09h48 - Publicado em 13 nov 2022, 09h42
ilustração de mulher triste
Mulheres que passam por aborto precisam de acompanhamento psicológico. (Ilustração: Veja Saúde/SAÚDE é Vital)
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“A vida está batendo à porta da minha casa, e eu vou abrir. Não importa a condição”. Quero começar com essa frase, da ex-jogadora de vôlei e campeã olímpica Ana Paula Henckel. Ela estava no ápice da carreira e havia acabado de fechar o melhor contrato de patrocínio de sua vida profissional quando se viu grávida.

Enquanto sua mãe questionava o que ela faria da carreira, nas vésperas de sua terceira Olimpíada, seu pai, sereno, deu o conselho que a levou a não interromper a gestação, deixando um legado que a ex-atleta compartilhou numa conversa promovida por uma ONG com centenas de mães em situação de fragilidade social.

“A vida é sofrimento”, já escreveram alguns pensadores, e isso me faz passar um filme pela cabeça. Quantas vezes a dificuldade forjou um novo ser humano? Ensinou algo que a bonança jamais ensinaria? Deu à luz uma mãe e uma criança?

Sei que muitas mulheres passam pelo dilema de seguir ou não em frente com uma gestação. E há situações bem mais difíceis que a de Ana Paula. Vítimas de estupro, de relacionamentos abusivos, de violência doméstica… Brasileiras em situação de pobreza extrema. O que dizer a essas mulheres?

Quando se pesquisa sobre o aborto, inevitavelmente deparamos com histórias tristes. Mulheres que viviam a culpa por ter abortado. Mulheres que vieram a falecer após o procedimento. Mulheres que desenvolveram transtornos psiquiátricos graves depois do episódio.

Mulheres que, assustadas, não sabem bem o que carregam dentro de si, um amontoado de células (como dizem alguns médicos) ou uma vida… Afinal, em que momento começa uma vida?

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Não existem respostas simples para tudo isso. Mas é impossível ignorar os problemas e as complicações de um aborto. Me questiono se o aborto é a melhor solução para uma gravidez indesejada. Se ele vai curar realmente uma vítima de violência sexual, por exemplo.

Penso no impacto psicológico sobre as mulheres. Um estudo publicado pelo American Journal of Obstetrics and Gynecology revelou, após acompanhar mais de 650 mulheres que sofreram uma perda precoce da gestação, que um terço das mulheres desenvolveu estresse pós-traumático, 25% teve ansiedade moderada a grave e 10% evoluiu para depressão moderada a grave.

O tema do aborto vem à tona com a pauta feminista, em prol dos direitos das mulheres, estampado por frases como “meu corpo, minhas regras”. Mas acredito que a liberdade feminina não pode mascarar uma verdade sombria, pois, tantas vezes, há uma vida em jogo que sequer é levada em conta.

Uma pergunta paira no ar: se a minha liberdade começa onde termina a do outro, e a minha liberdade termina onde começa a do outro, que liberdade é essa que não respeita uma vida em formação? E mais: se a pauta feminista defende o direito da mulher, quem defende o direito à vida desse pequeno ser?

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Isso nos remete novamente à questão de quando começa a vida. Do fatídico encontro entre o espermatozoide e o óvulo, com toda sua intencionalidade e milhares de outras reações em cadeia que acontecem em decorrência disso. Como afirmar que “aqui é um amontoado de células” ou “aqui já existe vida”? 

Existem pesquisas, em cima de exames de ultrassom e experimentos de embriologia, mostrando que, com apenas 4 semanas de existência, o coração do feto já está formado e bombeando sangue para seus membros e órgãos em desenvolvimento. Com 12 semanas, o corpo do bebê já está praticamente formado. E agora?

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Decisão complexa

Os motivos por trás da decisão de abortar são muitos: mulheres que não se sentem preparadas para ter filhos, mulheres com problemas conjugais, mulheres abandonadas, mulheres que não desejam a interrupção de suas carreiras e objetivos profissionais e, por mais que me doa escrever isso, mulheres vítimas de estupro e violência doméstica.

O aborto é definido como o procedimento para encerrar uma gravidez e evitar o nascimento de uma criança, uma decisão que impacta a mãe, o bebê e a sociedade. Não são poucas as mulheres que enxergam no aborto a solução para uma gestação não planejada, porém não sabem que isso pode resultar em dor, trauma psicológico, infertilidade e riscos em gravidezes subsequentes.

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Pouco se fala por aí como o procedimento de aborto ocorre, e os riscos que ele implica à saúde da mulher. O aborto pode ser feito com a administração de medicamentos que causam cólicas e sangramentos com a intenção de expulsar o feto do útero. A expulsão do feto pode acontecer em horas ou até dias após a o uso da medicação. Ainda que isso seja feito de forma a minimizar perigos, existem possíveis complicações inerentes ao procedimento.

Quando a gravidez está mais avançada e ultrapassa 12 semanas, ele tem de ser feito por meio de uma cirurgia, em que se insere um instrumento para raspar o tecido fetal da parede uterina. Numa gestação mais adiantada, parte do feto tem de ser desmembrada para ser retirada, e uma cânula aspira o líquido amniótico e a placenta. A curetagem visa garantir a retirada de todos os restos fetais.

Todo procedimento do tipo envolve riscos, como infecções, perfuração de órgãos, dor intensa e até morte. Também pode ter repercussões para a fertilidade e uma gestação futura.

Não há como negar que é um procedimento invasivo e doloroso, inclusive do ponto de vista psicológico, aumentando a propensão a ansiedade, estresse pós-traumático, depressão, suicídio, abuso de drogas e dificuldade em relacionamentos interpessoais. Não é um caminho fácil. O ativismo pró-aborto defende que é uma solução prática e rápida para o problema, mas a realidade costuma ser outra.

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Após 46 anos, é ainda uma memória vívida, deitada em uma mesa fria em uma sala sem coração. A sala em que havia morrido meu filho e meu eu interior. Percebi que havia feito algo terrível e, a partir desse momento, não consegui mais fazer nada certo. Ia para muitas festas para esquecer, era promíscua, usei drogas e álcool. Essa falta de amor próprio me levou a um mundo de escuridão”, diz uma mulher no documentário Silent No More.

Eu jamais julgaria a decisão das mulheres que decidem abortar. Nem mesmo posso sentir a dor delas. São pessoas que precisam de amor e acolhimento, e de recursos para enfrentar essa situação da maneira menos dolorosa possível.

As mulheres precisam ser ouvidas, não julgadas. Precisam saber dos riscos inerentes ao procedimento, das sequelas por vezes irreversíveis de um aborto. Precisam saber que pode haver vida em seu ventre, e que existem opções como a transferência da guarda da criança assim que ela nascer.

Não concordo com uma ideologia abortista obscura. Acredito em acolhimento e em decisões bem informadas. E que existe opção se a vida bater à sua porta.

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