O Brasil confirmou seus primeiros casos de Covid-19 causados pela subvariante Ômicron XBB.1.5 do coronavírus. Ela é considerada mais transmissível e está causando novas ondas da doença nos Estados Unidos e em outros países.
Como fica nossa situação frente à mais uma variante? As vacinas ainda funcionam nesse cenário? Para entender o cenário, Veja SAÚDE conversou com o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul e da rede Corona-Ômica, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Spilki, que acompanha a evolução genética do Sars-CoV-2 desde o início da pandemia, não acredita que ela irá causar mudanças tão expressivas. Porém, ao deixar uma variante mais contagiosa se espalhar livremente, corremos o risco de uma mutante imprevisível surgir.
Confira a entrevista:
VEJA SAÚDE: Quem é a XBB.1.5? O que sabemos sobre sua transmissibilidade e agressividade?
Spilki: Ela é uma subvariante da Ômicron XBB. Ainda não temos muitas informações sobre ela, mas sabemos que carrega uma mutação a mais na proteína spike [a espícula que recobre o vírus e é usada por ele para infectar a célula humana]. Essa mutação, s486-P, está relacionada ao escape de anticorpos.
Sobre a transmissão, a Ômicron vem apresentando ganhos na capacidade de infectar ao longo do tempo, e com essa variante não parece ser diferente. Entretanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não a considera uma variante de preocupação.
Por que essa subvariante está sendo chamada de Kraken [monstro mitológico marinho]?
É um termo não oficial usado por cientistas para facilitar a conversa. Ela vem de uma linhagem de subvariantes batizadas com nomes de seres mitológicos. Mas isso não está necessariamente relacionado a sua periculosidade.
Qual tem sido o efeito da XBB.1.5 em outros países?
O que se observa até o momento é um número de casos bastante elevado nos Estados Unidos, com incremento de internações. Não há uma alta tão explosiva nas hospitalizações, porque partimos de um patamar menos dramático, mas se percebe, sim, um aumento.
+ Leia também: Covid-19: por que a Ômicron não pode ser considerada leve?
Na verdade, já vemos isso no Brasil com a variante BQ.1. O fenômeno não chega a esgotar os serviços de saúde, mas atinge especialmente quem tem o ciclo vacinal incompleto.
E qual o risco de termos uma nova onda no Brasil por conta da introdução dessa variante?
Diria que já estamos preocupados com a BQ.1. desde novembro. O problema é que uma nova subvariante pode repetir a história dos anos anteriores. No final de 2021, circulou a linhagem BA.1 da Ômicron e, quando a BA.2 entrou no Brasil, houve um novo aumento de casos em fevereiro e março de 2022.
O risco principal é esse “repique” a partir das próximas semanas, que pode levar a uma subida nas hospitalizações e óbitos, ainda que discreta.
Outro ponto é que devemos estar olhando só uma pequena porcentagem do total real de casos. Isso porque as pessoas estão mais expostas, deixaram de se testar e uma parcela está com a vacinação atrasada.
Falando nisso, e como fica a questão do escape das vacinas?
Quando olhamos a ação das vacinas depois do Sars-CoV-2 original, há um degradê de escape: a cada nova variante, ocorre uma perda modesta de eficácia. Isso não resultou necessariamente em perda de proteção contra casos graves e mortes, mas aumentou a circulação do vírus, ainda que provocando casos leves.
Assim, foi preciso ajustar o calendário vacinal, o que se revelou uma política adequada e baseada em estudos. O esquema atual é o grande responsável por termos uma média de óbitos baixa no Brasil. E, em breve, devemos ter as vacinas bivalentes, que incluem proteção contra a Ômicron [em estudos preliminares, elas demonstraram manter sua proteção frente às subvariantes dela].
O que é diferente com a Ômicron? Por que ela tem tantas subvariantes?
Acho que é uma impressão. A Delta, por exemplo, teve centenas de subvariantes, só que não foram tão noticiadas porque não se espalharam tanto. Ocorre que a Ômicron foi a variante dominante em 2022, o ano em que o vírus mais circulou, o que dá as condições perfeitas para uma diversidade genética grande.
Tanto que vemos, inclusive, mais variantes recombinantes, como a própria XBB, que deu origem à XBB.1.5, e a BQ.1, que circula no Brasil. Elas acontecem quando dois tipos do vírus infectam a mesma pessoa e, dentro das células, misturam seu material genético. Esse fenômeno, antes fortuito, deve ser algo comum de agora em diante.
E o que esse cenário atual nos diz sobre o curso da pandemia?
Que é relevante seguir monitorando essas mudanças com a vigilância genômica. Embora se diga que há uma tendência de que o vírus fique mais ameno, nem sempre isso se confirma.
Há casos clássicos em virologia, mas na própria Covid temos um exemplo. O vírus de Wuhan, na China, era mais leve, ganhou transmissibilidade, e depois desembocou nas variantes Alfa, Beta e Gama, que eram mais letais do que o original.
Ou seja, acidentes podem acontecer, embora não estejamos esperando nenhum “reset” na pandemia. E, por mais confusa que possa parecer essa nomenclatura, ela tem a importância de nos alertar para mutações que induzam a necessidade de atualizar vacinas ou reforçar medidas preventivas.
É preciso tomar alguma medida extra de cuidado agora?
Não estamos no nível de preocupação que vivemos no passado, mas, ao vermos notícias como essa, é importante reforçar a necessidade de se vacinar e realizar a testagem na presença de sintomas.
Outra orientação é usar máscaras ao se expor em locais de alto risco, como ambientes fechados.