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Por que os testes do anticoncepcional masculino foram suspensos

O novo tratamento não foi descontinuado simplesmente por que os homens não suportam os efeitos colaterais

Por Marina Demartini (da Exame.com)
Atualizado em 6 ago 2018, 10h28 - Publicado em 7 nov 2016, 12h38

Um estudo sobre um possível método anticoncepcional para homens está há alguns dias rondando as manchetes de diversos meios de comunicação. Não é para menos: a injeção hormonal, criada para bloquear a produção de esperma, teve uma taxa de sucesso de 96% na prevenção da gravidez, uma percentagem bem próxima aos 98% das pílulas contraceptivas femininas.

O “sonho” de muitas mulheres parecia estar perto de se realizar. Mas os cientistas interromperam os testes clínicos após os voluntários relatarem diversos efeitos colaterais, como alteração na libido, aumento de acne e mudanças de humor.

Se você é mulher e está lendo isso, provavelmente deu um longo suspiro. Contudo, após ler a pesquisa e estudar o assunto, é possível compreender por que os cientistas tomaram a decisão de descontinuar os estudos clínicos.

Como o estudo foi feito

A pesquisa, que foi patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU), teve início em 2008 com participação de 320 homens entre 18 e 45 anos. Eles recebiam uma dose da injeção a cada oito semanas. Essa injeção misturava testosterona sintética e enantato de noretisterona, que é um derivado de hormônios bem conhecidos pelo público feminino, a progesterona e o estrogênio.

Os pesquisadores pediram para que os voluntários usassem outros métodos contraceptivos conforme o número de espermatozoides caísse para menos de 1 milhão por mililitro de sêmen. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse nível indica que o homem é infértil.

Após 24 semanas do início dos ensaios clínicos, a taxa de espermatozoides se manteve baixa em 274 participantes – apenas 46 voluntários continuaram com contagem alta. A maioria dos participantes voltou a ser fértil cerca de 26 semanas depois do fim do tratamento. Oito homens, no entanto, não tiveram sua contagem de espermatozoides normalizada após 52 semanas sem as injeções.

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Efeitos colaterais

O estudo se mostrou um sucesso até o momento em que os cientistas olharam para os números relacionados aos efeitos colaterais do uso do anticoncepcional. Os voluntários relataram, no total, 1 491 eventos adversos – desses, 900 foram relacionados ao contraceptivo injetável.

Um dos efeitos negativos mais relatados foi o aumento de acne. Quase um quarto dos participantes sentiu dor em seu local de injeção. Houve também relatos de dor muscular em 15% dos voluntários, dores nos testículos e suor noturno.

Mas o que chamou a atenção dos pesquisadores foram os efeitos colaterais comportamentais. Cerca de um terço dos homens teve aumento notável na libido, enquanto 20% exibiram algum tipo de transtorno de humor conectado ao tratamento. Um participante cometeu suicídio durante o estudo, mas os cientistas afirmam que a morte não está relacionada com os testes.

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Jen Gunter, médica ginecologista e comunicadora científica, disse em seu blog que as taxas dos efeitos colaterais são mais elevadas nesse estudo em comparação com pesquisas de contracepção em mulheres. “A pílula reduz a acne para 70% das mulheres e estudos com o DIU Mirena mostraram que a taxa de acne em mulheres que o utilizam é de 6,8%”, explica.

No final, apenas 20 homens abandonaram o estudo devido aos efeitos colaterais. Na realidade, 75% deles disseram que valia a pena continuar o tratamento apesar das implicações negativas.

Para os cientistas, os efeitos relacionados ao humor foram inesperados. Eles notaram que, quando passaram da Fase I clínica do estudo para a Fase II, o número de efeitos colaterais aumentou ainda mais.

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Mario Philip Reyes Festin, médico da OMS e um dos autores da pesquisa, disse ao site Popular Science que os pesquisadores precisavam relatar a evolução dos testes clínicos regularmente. “Foi observado que a frequência e a gravidade dos efeitos colaterais, especialmente oscilações de humor e aumento na libido, foram maiores do que o previsto, com base em estudos mais antigos, mais ou menos idênticos.”

Além dos efeitos

Outro ponto que deve ser considerado é que o estudo foi feito em grande escala e envolveu 10 centros de pesquisa. Gunter aponta que alguns efeitos pareciam distorcidos em certos centros de teste. Isso pode significar que essas instituições podem ter realizado experimentos de maneira incorreta. Ou seja, mais pesquisas devem ser feitas para descartar qualquer ineficácia relacionada à injeção.

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Claro que é horrível pensar que todo dia milhões de mulheres tomam algum tipo de contraceptivo e precisam aceitar os efeitos colaterais que vem junto com o remédio. No entanto, pior ainda é continuar um tratamento que ainda não foi comprovado cientificamente. Um exemplo de medicamento que foi aprovado temporariamente sem que pesquisas fossem feitas é a “milagrosa” pílula do câncer. Na época, várias pessoas pararam a quimioterapia e algumas até morreram em decorrência da falta de tratamento.

A pílula anticoncepcional para mulheres é outro exemplo. Ela foi aprovada no início dos anos 60 nos Estados Unidos mesmo com todas as suas falhas. Agora, muitos efeitos colaterais do medicamento estão sendo descobertos. Um deles é sua potencial ligação com a depressão em mulheres jovens e o outro são os diversos casos de trombose relacionados ao uso do contraceptivo.

Assim, não basta criar um método contraceptivo para que, no futuro, os homens tenham os mesmos problemas que nós, mulheres, sofremos atualmente. O que deve ser feito pela comunidade científica é aumentar o rigor na avaliação dessas pesquisas antes de sua aprovação para as massas.

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Esta matéria foi publicada originalmente no site da Exame.com

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