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Saúde é pop

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Tá na internet, tá na TV, tá nos livros... tá no nosso dia a dia. O jornalista André Bernardo mostra como fenômenos culturais e sociais mexem com a saúde — e vice-versa.
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Se rir é o melhor remédio, por que tantos humoristas sofrem de depressão?

Whindersson Nunes, Felipe Neto e Jim Carrey são vítimas recentes do transtorno que afeta mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo

Por André Bernardo
8 abr 2022, 18h29
foto de jim carrey em atelier de pintura
O ator americano Jim Carrey usa a pintura para se libertar de crises depressivas.  (Acervo/Divulgação)
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“Estou no fundo do poço”. O desabafo, quase um pedido de socorro, é do youtuber e humorista Felipe Neto. Aos 34 anos, é um dos influenciadores digitais com o maior número de seguidores no Brasil. No dia 1° de janeiro de 2022, seus 60 milhões de seguidores — 43,8 milhões só no YouTube! — levaram um susto ao ler sua postagem.

Nas redes sociais, Felipe conta que está com depressão. E faz uma comparação: enfrentar a doença sozinho é como entrar em campo sem goleiro contra o Flamengo ou o Corinthians. “Você não vai vencer”, diz. Para o alívio de seus fãs, avisou que está enfrentando o transtorno com a ajuda da família, de amigos e de “acompanhamento psiquiátrico e medicação”.

Felipe Neto não é um caso isolado. O humorista Whindersson Nunes, de 27 anos, chegou a dedicar um dos capítulos de sua autobiografia, Vivendo como um Guerreiro, da Editora Serena (clique para ver e comprar), ao problema. Ele se sentiu deprimido pela primeira vez em 2015, depois de um show em Aracaju.

Em outro trecho do livro, relata a ocasião em que, durante um espetáculo no Mato Grosso, sofreu um apagão em frente a uma plateia lotada. À época, fazia uma média de três shows em um único dia, de quarta a domingo. “Ao contrário do que muita gente desavisada acha, depressão não é frescura, não é falta de trabalho, não é descaso com a vida”, escreve. “Nunca escondi a depressão. Sempre falei até para ajudar as outras pessoas a procurarem ajuda também”.

+ LEIA TAMBÉM: Os tratamentos que inauguram uma nova era contra a depressão

O número de comediantes que vivenciaram a doença não é pequeno. Um dos casos mais notórios é o de Chico Anysio (1931-2012). Criador de tipos inesquecíveis, como Professor Raimundo, Alberto Roberto e Justo Veríssimo, chegou a conceder uma entrevista em que fala abertamente sobre o assunto.

Em um vídeo gravado para a abertura do 29° Congresso Brasileiro de Psiquiatria, admitiu sofrer de depressão havia 24 anos. “Sem os remédios, não teria feito 20% do que fiz”, revelou. Durante o bate-papo com o médico Antônio Geraldo da Silva, hoje presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, comparou a depressão a um gás letal e criticou o preconceito contra a psiquiatria. “Quando alguém diz que não é maluco para ir ao psiquiatra, respondo: ‘Mas é idiota para falar uma bobagem dessas!’”.

Humoristas estrangeiros não estão imunes ao transtorno. Jim Carrey, de 60 anos, que o diga. A primeira vez que o astro de Ace Ventura, O Máskara e Debi & Lóide tomou coragem para assumir publicamente que sofria de depressão foi em 2004, em entrevista à rede CBS News.

Treze anos depois, voltou a enfrentar seus demônios. “Agora, a chuva chega, mas não permanece. Não o tempo suficiente para me afogar”, declarou em 2017. À época, lançou um minidocumentário, I Needed Color sobre o efeito terapêutico da pintura. “Eu não sei o que a pintura me ensina. Eu só sei que ela me liberta”, explica no vídeo de pouco mais de seis minutos.

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De que ri o palhaço?

As histórias de Felipe Neto, Chico Anysio e Jim Carrey remetem ao mito do “palhaço triste”. Certo dia, um homem vai ao médico. Entre outros sintomas, relata uma tristeza incurável. Nada, absolutamente nada, queixa-se, lhe devolve a alegria de viver. Depois de examiná-lo, o doutor prescreve um remédio que considera infalível: o riso.

“Por que não experimenta ir ao circo?”, pergunta. “Dizem que o palhaço é engraçadíssimo!”. Nisso, o paciente cai no choro: “Mas, doutor, aquele palhaço sou eu!”. A origem dessa história é um tanto nebulosa. Uns dizem que foi contada pelo humorista americano Groucho Marx (1890-1977) em sua autobiografia, Groucho and Me. Outros, que faz parte parte de Watchmen, HQ escrita pelo quadrinista britânico Alan Moore.

A origem não importa. O importante é notar que fazer os outros rirem não é garantia absoluta de relaxamento e bem-estar. Dar risadas, garantem os cientistas, é benéfico à saúde. Fazer rir, nem tanto.

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“A máxima do ‘rir é o melhor remédio’ continua valendo. Afinal, o riso tem efeito transversal muito positivo na saúde mental. Mas, veja bem, não se diz que ‘fazer rir é o melhor remédio’”, interpreta o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP e coautor de O Palhaço e o Psicanalista, do selo Paidós.

“Ao contar uma piada engraçada, o humorista captura fragmentos da satisfação que sentiu ao ouvir aquela piada pela primeira vez. É o que Freud chamou de ‘transmissão social do chiste’. O problema é que, depois de contar a mesma piada por dez ou vinte vezes, ela deixa de ser engraçada e perde seu efeito”, pontua o especialista.

A psiquiatra Alexandrina Meleiro, conselheira da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), acrescenta que já existem estudos que elucidam o mistério por trás da depressão em humoristas. “Boa parte dos comediantes envereda pelo humor como válvula de escape”, explica.

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“Na maioria das vezes, eles começam cedo. Ainda garotos, criam apelidos, contam piadas e fazem imitações só para chamar a atenção dos outros. No colégio, são os ‘palhaços da turma’”, relata. Quando crescem, eles gravam vídeos, fazem stand-up comedy e colecionam seguidores.

“Muitos fazem graça da própria saúde mental”, observa a médica. Para quem ignora que depressão não é brincadeira, ela recomenda reavaliar seus conceitos e, no dia a dia, priorizar boas noites de sono, uma atividade física prazerosa e pausas revigorantes no trabalho.

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O demônio do meio-dia

Sem diagnóstico correto e tratamento adequado, a depressão é um problema grave que pode levar ao suicídio. Suspeita-se que pelo menos dois humoristas tenham tirado a própria vida por causa dela: o americano Robin Williams (1951-2014) e o brasileiro Fausto Fanti (1978-2014).

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“Não há evidências de que a profissão de humorista seja um fator de risco para o adoecimento psíquico. É preciso cuidado para não estigmatizar qualquer categoria profissional”, faz questão de ponderar a psicóloga Daniela Reis e Silva, diretora da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (Abeps).

A depressão é um transtorno democrático e multifatorial que atinge mais de 16 milhões de brasileiros. Tem origens genéticas, biológicas, psicológicas e sociais. Ao longo da história, recebeu os mais diversos nomes. Já foi “melancolia” na Grécia Antiga; “acédia”, na Idade Média; e esse misto de tristeza com falta de disposição foi apelidado por monges anacoretas de “o demônio do meio-dia”.

O diagnóstico da depressão é clínico. Não é detectável por exames de sangue, chapas de raios-x ou testes de resistência física. A boa notícia é que, como adiantou Felipe Neto em seu post, há tratamento psicoterápico e medicamentoso. Aos seus seguidores, o humorista faz um apelo: “Busquem ajuda. Não enfrentem a depressão sozinhos”.

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