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Inconsistências na inclusão de remédios no SUS: o caso de Pompe

Advogado do movimento A Regra É Clara ressalta que a avaliação de tecnologias para doenças incidentes deve ser diferente da voltada para condições raras

Por Paulo Benevento, advogado*
26 set 2022, 09h47

Para que um medicamento seja disponibilizado pelo Estado, ele deve passar por um processo seletivo baseado em critérios científicos e éticos de avaliação. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) é o órgão do Ministério da Saúde que aplica esses critérios e opina sobre a inclusão de medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS). As recomendações do órgão são geralmente acolhidas pela autoridade responsável pela decisão final. Portanto, uma vez recomendado pela CONITEC, o medicamento quase certamente entrará na lista daqueles que devem ser ofertados à população.

Os pareceres da CONITEC afetam todos os usuários do SUS, principalmente aqueles que convivem com doenças crônicas e graves. As recomendações do órgão praticamente determinam o tipo de tratamento a que o usuário terá acesso, o que altera o curso da doença e influencia a qualidade de vida do paciente. Por isso, os critérios que a CONITEC utiliza para avaliar os medicamentos, além de tecnicamente válidos, devem ser justos e coerentes. Infelizmente, isto nem sempre acontece, principalmente no caso de doenças raras

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A CONITEC normalmente prioriza medicamentos cuja eficácia tenha sido comprovada por meio de estudos clínicos de grande porte, que envolvam um número significativo de pacientes e que ofereçam evidências científicas de ótima qualidade. De maneira geral, este critério é adequado, porque realmente não faz sentido gastar recursos públicos com tecnologias ineficazes ou cuja eficácia não tenha sido suficientemente comprovada. Contudo, no caso de medicamentos indicados para doenças raras, este critério é injusto, porque discrimina os pacientes.

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Doenças raras são aquelas que acometem até 65 em cada 100 mil pessoas. A baixa incidência dificulta o recrutamento de voluntários e tende a inviabilizar estudos clínicos de grande porte. Por conta disso, ainda que um determinado medicamento realmente beneficie os pacientes, é difícil produzir evidências científicas robustas da sua eficácia. 

+Leia também: O labirinto de quem convive com uma doença rara e autoimune

Assim, quando a CONITEC utiliza o mesmo rigor para avaliações de universos tão díspares, ela tende a dificultar o acesso ao tratamento medicamentoso de qualidade para pacientes acometidos por doenças raras. 

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Outro critério utilizado pela CONITEC para recomendar a incorporação de medicamentos baseia-se na priorização de tecnologias eficientes. A eficiência é uma relação entre o benefício que a tecnologia proporciona para o paciente e o custo que representa para o sistema. Se dois medicamentos proporcionam o mesmo benefício, aquele que tiver o menor custo é o mais eficiente. 

A CONITEC procura, deste modo, fazer avaliações econômicas para comparar diferentes medicamentos e recomendar os mais eficientes. De novo, este critério é adequado para boa parte dos casos, mas insuficiente para avaliar medicamentos indicados para doenças raras, que normalmente são considerados ineficientes porque propiciam certos benefícios adicionais a custos bastante elevados. 

Nestes casos, a ciência não oferece ferramentas adequadas para a avaliação, porque a questão envolvida é mais ética do que científica. Os medicamentos para pessoas que convivem com doenças raras devem ser examinados a partir de critérios éticos, baseados na disposição da sociedade a pagar mais para propiciar alguns benefícios a este grupo.

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Em 2019, a CONITEC avaliou um medicamento para a doença de Pompe. Essa é uma condição genética rara, que afeta progressivamente os músculos do corpo e causa grave comprometimento neuromuscular e respiratório. O tratamento foi recomendado e incorporado para a forma precoce da doença, mas os pacientes diagnosticados após os 12 meses de vida ficaram sem o remédio. Apesar de não haver qualquer indicativo de quanto a sociedade estaria disposta a pagar para beneficiar esses pacientes, o custo do tratamento foi o principal obstáculo apontado pela CONITEC.  

Em 2021, a CONITEC avaliou novamente o medicamento e, mais uma vez, decidiu não recomendar a incorporação para a forma tardia da doença. Os principais argumentos, desta vez, foram o custo elevado da tecnologia e a insuficiência das evidências científicas de eficácia. 

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Contudo, assim como ocorreu em 2019, a recomendação negativa não se baseou em indicativos de quanto a sociedade estaria disposta a pagar. A decisão também desconsiderou o fato de que o medicamento é indicado para uma doença rara, cuja baixa incidência inviabiliza o desenvolvimento de estudos clínicos de grande porte, o que dificulta a produção de evidências clínicas mais robustas. 

Em junho deste ano, pelos mesmos fundamentos, o órgão novamente recomendou a não incorporação do medicamento. Assim como das outras vezes, a CONITEC utilizou critérios gerais para um medicamento indicado para uma doença rara. Infelizmente, como se não bastasse o infortúnio de serem acometidos por uma doença rara e grave, os pacientes de Pompe vêm sendo discriminados, nas avaliações da Conitec, em razão da pouca prevalência da doença que lhes acomete. 

O movimento A Regra É Clara, do qual eu participo e é organizado pelas associações Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD), produziu um vídeo sobre esse assunto, solicitando uma audiência pública para que mais atores envolvidos nessa discussão possam dar suas contribuições:

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É necessário que a sociedade civil se mobilize em benefício dos pacientes que convivem com doenças raras e graves, como a de Pompe, para convencer a CONITEC de que está disposta a tolerar evidências científicas de menor qualidade em nome da solidariedade, e a renunciar a certos ganhos de eficiência em nome da equidade.

*Paulo Benevento é advogado, consultor jurídico em advocacy das associações Amigos Múltiplos Pela Esclerose (AME) e Crônicos do Dia a Dia (CDD) e do movimento A Regra É Clara

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