O uso de hormônios anabolizantes como testosterona e seus derivados cresce rapidamente, saindo do universo dos atletas e alcançando pessoas comuns que buscam melhorar a estética e o desempenho físico.
Os produtos usados variam desde altas doses de testosterona injetável até fórmulas orais, geis e inclusive fórmulas de uso veterinário. O problema é que essas soluções são vendidas a preço de ouro e disfarçadas como seguras e com evidências de eficácia, mas têm riscos e são contraindicadas pela maioria das sociedades médicas sérias, nacionais ou internacionais.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu há mais de um ano no Brasil o uso de hormônios anabolizantes para fins estéticos, de performance ou para ganho de massa muscular.
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Para que serve a testosterona
A testosterona é produzida principalmente nos testículos dos homens e em pequenas quantidades nas glândulas suprarrenais, tanto em homens quanto em mulheres.
No corpo masculino, é essencial para o desenvolvimento muscular, ósseo, libido e características sexuais secundárias. Já nas mulheres, também desempenha um papel no equilíbrio hormonal.
Mito da “baixa testosterona para a idade”
Existem sim situações clínicas em que há redução da testosterona, ou hipogonadismo, que devem ser investigadas e tratadas por um especialista. Contudo, o conceito de “baixa testosterona para a idade” é um mito usado por conveniência para a indicação inadequada de hormônios.
A redução gradual dos níveis de testosterona com o envelhecimento é natural, e não existe um nível de testosterona ideal para cada faixa etária.
Muitos sintomas, como cansaço e baixa libido, podem ter outras causas que não se relacionam necessariamente à testosterona. Além disso, há uma grande variabilidade individual nos níveis hormonais, o que faz com que a interpretação dos resultados dos exames seja complexa e necessite de uma análise detalhada por reais especialistas.
Clique aqui para entrar em nosso canal no WhatsAppProblemas com o diagnóstico de testosterona baixa
A dosagem de testosterona pode variar dependendo do horário da coleta e de outras condições de saúde, como doenças agudas ou crônicas, incluindo a obesidade e a síndrome metabólica.
Estudos mostram que perder peso é mais eficaz para aumentar os níveis de testosterona nessas situações do que a reposição hormonal, que, nesses casos, pode causar mais riscos do que benefícios.
Além disso, os métodos laboratoriais utilizados para medir a testosterona nem sempre são precisos, o que pode gerar diagnósticos incorretos, até porque a concentração de hormônios no sangue costuma ser baixa. Se a concentração de sódio no sangue é medida em miligramas, por exemplo, a de testosterona é aferida em nanogramas.
Um miligrama equivale a 1 milhão de nanogramas, o que dificulta a aferição. Em valores mais baixos, a precisão pode variar até 40%, a depender do método usado pelo laboratório. Por esse motivo, muitas associações médicas recomendam mais de uma dosagem para estabelecer um diagnóstico.
Ambiente artificial de testosterona elevada e dependência
Viver com níveis de testosterona constantemente elevados de forma artificial pode criar uma sensação temporária de maior energia e desempenho.
Mas ela acaba sendo substituída por uma insatisfação crônica com os níveis hormonais naturais, gerando um comportamento de dependência psicológica.
De fato, estudos demonstram que até 60% dos usuários podem desenvolver dependência, e que o uso prolongado se associa à atrofia do cérebro.
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Riscos do uso de anabolizantes
Na comunidade de usuários de hormônios, há o mito de que há formas seguras de usar, com informações geralmente extraídas de fontes duvidosas, como fóruns da dark web, e repetidas como mantras inabaláveis.
A sensação de falsa segurança talvez se reforce com o argumento frequente de “meu amigo usa e está bem”, sem considerar que a maioria das pessoas não divulgaria para terceiros que tem um problema de saúde causado pelos anabolizantes ou que amanhã o amigo pode já não estar tão bem.
A verdade é que o uso de testosterona sem necessidade médica legítima está associado a vários riscos graves, incluindo:
Problemas cardiovasculares
O uso de anabolizantes pode aumentar o risco de infartos e AVCs. Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) mostrou que usuários têm 2,8 vezes mais chances de morrer em um período de 11 anos.
Alterações hormonais
Infertilidade, atrofia testicular e disfunções sexuais.
Danos ao fígado
Uso prolongado pode causar inflamações, tumores e insuficiência hepática.
Efeitos neuropsiquiátricos
Agressividade, depressão e dependência. Há inclusive relatos de surtos psicóticos e homicídios associados ao uso de hormônios. Há também evidência de apoptose (perda) de neurônios.
Desinformação e marketing na indústria da testosterona
A indústria de hormônios e suplementos promove a ideia de que o envelhecimento deve ser combatido, incentivando o uso de substâncias como a testosterona para manter a juventude e o desempenho físico.
No entanto, muitos estudos mostram que homens com níveis normais de testosterona não têm benefícios com o uso do hormônio. Além disso, o termo “reposição hormonal” tem sido usado indevidamente para justificar prescrições massivas, ignorando efeitos colaterais graves.
Outros termos usados comumente para mascarar um tratamento com hormônios anabolizantes são “hormônios bioidênticos”, “anti-aging” e com frequência a denominação de um “protocolo X”, onde X representa muitas vezes o nome e o narcisismo da pessoa que está indicando esse tratamento.
Basta olhar as redes sociais que, sem qualquer critério ou regulação, encontramos propagandas duvidosas. Fica também a pergunta da origem dos medicamentos. Por incrível que pareça há relatos de virem por contrabando de países vizinhos realizados por facções criminosas e inclusive de produção artesanal – usando temperos e corantes caseiros.
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Conclusão
Se por um lado existem sim indicações reais para repor de testosterona, esse diagnóstico sempre deve ser confirmado e investigado criteriosamente.
O marketing exagerado e a desinformação promovem o hormônio como fonte da juventude, mas não se fala nos graves efeitos colaterais. O envelhecimento é natural, e a testosterona não deve ser manipulada de forma irresponsável.
O ideal é que os pacientes procurem médicos especializados para avaliar se há real necessidade de intervenção, evitando consequências irreversíveis para a saúde.
*Carlos Eduardo Seraphim é médico especialista e doutor em endocrinologia e metabologia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador e endocrinologista do corpo clínico do hospital Sírio Libanês, e diretor médico endocrinologia na plataforma Omens, no assunto de perda de peso.