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Epidemia de hormônios anabolizantes: quais os riscos?

Profissionais lucram com desinformação sobre reposição de testosterona, mas não falam sobre os graves efeitos colaterais do uso indevido

Por Carlos Eduardo Seraphim, endocrinologista*
Atualizado em 2 out 2024, 10h01 - Publicado em 1 out 2024, 11h00
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Durateston deve ser utilizado apenas para tratamento de deficiência de testosterona (Foto: wirestock/Freepik)
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O uso de hormônios anabolizantes como testosterona e seus derivados cresce rapidamente, saindo do universo dos atletas e alcançando pessoas comuns que buscam melhorar a estética e o desempenho físico.

Os produtos usados variam desde altas doses de testosterona injetável até fórmulas orais, geis e inclusive fórmulas de uso veterinário. O problema é que essas soluções são vendidas a preço de ouro e disfarçadas como seguras e com evidências de eficácia, mas têm riscos e são contraindicadas pela maioria das sociedades médicas sérias, nacionais ou internacionais.

O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu há mais de um ano no Brasil o uso de hormônios anabolizantes para fins estéticos, de performance ou para ganho de massa muscular.

+Leia também: Hipertrofia muscular: o que é, como ela acontece e quais erros evitar

Para que serve a testosterona

A testosterona é produzida principalmente nos testículos dos homens e em pequenas quantidades nas glândulas suprarrenais, tanto em homens quanto em mulheres.

No corpo masculino, é essencial para o desenvolvimento muscular, ósseo, libido e características sexuais secundárias. Já nas mulheres, também desempenha um papel no equilíbrio hormonal.

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Mito da “baixa testosterona para a idade”

Existem sim situações clínicas em que há redução da testosterona, ou hipogonadismo, que devem ser investigadas e tratadas por um especialista. Contudo, o conceito de “baixa testosterona para a idade” é um mito usado por conveniência para a indicação inadequada de hormônios.

A redução gradual dos níveis de testosterona com o envelhecimento é natural, e não existe um nível de testosterona ideal para cada faixa etária.

Muitos sintomas, como cansaço e baixa libido, podem ter outras causas que não se relacionam necessariamente à testosterona. Além disso, há uma grande variabilidade individual nos níveis hormonais, o que faz com que a interpretação dos resultados dos exames seja complexa e necessite de uma análise detalhada por reais especialistas.

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Problemas com o diagnóstico de testosterona baixa

A dosagem de testosterona pode variar dependendo do horário da coleta e de outras condições de saúde, como doenças agudas ou crônicas, incluindo a obesidade e a síndrome metabólica.

Estudos mostram que perder peso é mais eficaz para aumentar os níveis de testosterona nessas situações do que a reposição hormonal, que, nesses casos, pode causar mais riscos do que benefícios.

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Além disso, os métodos laboratoriais utilizados para medir a testosterona nem sempre são precisos, o que pode gerar diagnósticos incorretos, até porque a concentração de hormônios no sangue costuma ser baixa. Se a concentração de sódio no sangue é medida em miligramas, por exemplo, a de testosterona é aferida em nanogramas.

Um miligrama equivale a 1 milhão de nanogramas, o que dificulta a aferição. Em valores mais baixos, a precisão pode variar até 40%, a depender do método usado pelo laboratório. Por esse motivo, muitas associações médicas recomendam mais de uma dosagem para estabelecer um diagnóstico.

Ambiente artificial de testosterona elevada e dependência

Viver com níveis de testosterona constantemente elevados de forma artificial pode criar uma sensação temporária de maior energia e desempenho.

Mas ela acaba sendo substituída por uma insatisfação crônica com os níveis hormonais naturais, gerando um comportamento de dependência psicológica.

De fato, estudos demonstram que até 60% dos usuários podem desenvolver dependência, e que o uso prolongado se associa à atrofia do cérebro.

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+Leia também:  É possível ganhar muita massa muscular sem anabolizantes?

Riscos do uso de anabolizantes

Na comunidade de usuários de hormônios, há o mito de que há formas seguras de usar, com informações geralmente extraídas de fontes duvidosas, como fóruns da dark web, e repetidas como mantras inabaláveis.

A sensação de falsa segurança talvez se reforce com o argumento frequente de “meu amigo usa e está bem”, sem considerar que a maioria das pessoas não divulgaria para terceiros que tem um problema de saúde causado pelos anabolizantes ou que amanhã o amigo pode já não estar tão bem.

A verdade é que o uso de testosterona sem necessidade médica legítima está associado a vários riscos graves, incluindo:

Problemas cardiovasculares

O uso de anabolizantes pode aumentar o risco de infartos e AVCs. Um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (JAMA) mostrou que usuários têm 2,8 vezes mais chances de morrer em um período de 11 anos.

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Alterações hormonais

Infertilidade, atrofia testicular e disfunções sexuais.

Danos ao fígado

Uso prolongado pode causar inflamações, tumores e insuficiência hepática.

Efeitos neuropsiquiátricos

Agressividade, depressão e dependência. Há inclusive relatos de surtos psicóticos e homicídios associados ao uso de hormônios. Há também evidência de apoptose (perda) de neurônios.

Desinformação e marketing na indústria da testosterona

A indústria de hormônios e suplementos promove a ideia de que o envelhecimento deve ser combatido, incentivando o uso de substâncias como a testosterona para manter a juventude e o desempenho físico.

No entanto, muitos estudos mostram que homens com níveis normais de testosterona não têm benefícios com o uso do hormônio. Além disso, o termo “reposição hormonal” tem sido usado indevidamente para justificar prescrições massivas, ignorando efeitos colaterais graves.

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Outros termos usados comumente para mascarar um tratamento com hormônios anabolizantes são “hormônios bioidênticos”, “anti-aging” e com frequência a denominação de um “protocolo X”, onde X representa muitas vezes o nome e o narcisismo da pessoa que está indicando esse tratamento.

Basta olhar as redes sociais que, sem qualquer critério ou regulação, encontramos propagandas duvidosas. Fica também a pergunta da origem dos medicamentos. Por incrível que pareça há relatos de virem por contrabando de países vizinhos realizados por facções criminosas e inclusive de produção artesanal – usando temperos e corantes caseiros.

+Leia também: Mercadores da cura

Conclusão

Se por um lado existem sim indicações reais para repor de testosterona, esse diagnóstico sempre deve ser confirmado e investigado criteriosamente.

O marketing exagerado e a desinformação promovem o hormônio como fonte da juventude, mas não se fala nos graves efeitos colaterais. O envelhecimento é natural, e a testosterona não deve ser manipulada de forma irresponsável.

O ideal é que os pacientes procurem médicos especializados para avaliar se há real necessidade de intervenção, evitando consequências irreversíveis para a saúde.

*Carlos Eduardo Seraphim é médico especialista e doutor em endocrinologia e metabologia pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador e endocrinologista do corpo clínico do hospital Sírio Libanês, e diretor médico endocrinologia na plataforma Omens, no assunto de perda de peso.

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