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O repórter André Biernath desenterra o passado e vislumbra o futuro da arte (e da ciência) da Medicina
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Os antibióticos do futuro estão nos livros do passado

Apelidado de “Idade das Trevas”, esse período medieval pode trazer soluções para um dos maiores problemas mundiais de saúde pública

Por André Biernath
Atualizado em 13 Maio 2017, 16h01 - Publicado em 13 Maio 2017, 16h00

A ciência vai enfrentar uma das batalhas mais decisivas e importantes de sua história nos próximos anos. O desafio será vencer a resistência bacteriana, a capacidade que bactérias causadoras de doenças como a pneumonia e a meningite desenvolveram nos últimos anos de sobreviver aos remédios disponíveis para combatê-las.

O assunto é tão sério que a própria Organização Mundial da Saúde já considera que entramos numa era pós-antibiótico: até as infecções simples podem virar uma encrenca das grandes. Estima-se que atualmente mais de 700 mil pessoas morram todos os anos por conta de micro-organismos resistentes aos fármacos. Se nada for feito, esse número vai aumentar para 10 milhões em 2050!

O uso indiscriminado de antibióticos em hospitais e na pecuária foi um dos fatores decisivos para que alcançássemos esse cenário. Mas não é o único: a falta de interesse de governos, centros de pesquisa, universidades e indústrias farmacêuticas também contribuiu para que não tivéssemos grandes novidades na área durante as últimas décadas.

O que nos resta agora é correr atrás do prejuízo. E há um grupo de biólogos, parasitologistas, farmacêuticos e historiadores que resolveu investigar livros medievais do passado a fim de encontrar as respostas para um futuro menos aterrorizante. Chamados em inglês de Ancientbiotics Team, eles estão revirando as bibliotecas da Europa para encontrar e analisar os tratados médicos do século 6 em diante.

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Esse trabalho de resgate já deu seus primeiros resultados. Em 2015, experts da Universidade de Nottingham, no Reino Unido, resolveram replicar uma fórmula para tratar infecções oculares de um documento viking chamado “Bald’s Leechbook”, publicado há mais de mil anos. A receita é bem simples: basta esmagar uma porção de alho e cebola num pilão, misturar com vinho inglês e acrescentar bile de estômago de vaca — acho que você não tem todos esses ingredientes, mas, se tiver, não é pra fazer em casa, ok? Detalhe importante: é preciso aguardar exatos nove dias antes de aplicar o produto na região da face.

Uma página do Bald's Leechbook
Uma página do Bald’s Leechbook, de onde foi tirada a poção viking para tratar a infecção nos olhos (Foto: Wikimedia Commons/Divulgação)

Quando a pesquisa foi publicada há dois anos, eu conversei brevemente com Christina Lee, especialista em estudos nórdicos integrante do Ancientbiotics Team e líder da investigação britânica. Ela confessou que ficou muito surpresa com os resultados. Hoje em dia, se sabe que a Staphylococcus aureus é uma das principais bactérias causadoras dessa infecção nos olhos. Nos testes de Christina e sua equipe, a poção viking foi capaz de matar até 90% dos bichinhos que, curiosamente, estão entre os mais resistentes aos antibióticos atuais.

O mais legal de tudo é que a fórmula só funcionou mesmo quando os experts aguardaram os nove dias entre a fabricação e a sua utilização. Se aplicassem antes ou depois do prazo estipulado, não dava certo. A experiência fez com que os textos medievais passassem a ser encarados com mais seriedade. É óbvio que os boticários e alquimistas do passado não tinham o conhecimento e a tecnologia que dispomos hoje, mas não dá pra descartar tantos séculos de experiência, observação, tentativa e erros.

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Agora o grupo de especialistas está destrinchando um livro chamado “Lylye of Medicines”, publicado em 1305 pelo médico francês Bernard de Gordon, que descreveu mais de 360 receitas e tratamentos para praga, tuberculose, epilepsia, hanseníase e tantas outras doenças. O trabalho é lento devido a uma série de dificuldades, como adaptar ingredientes antigos ao que temos disponível nos dias de hoje. A próxima etapa envolverá testar cientificamente as fórmulas para ver se elas funcionam e podem se tornar terapias úteis em alguns anos.

Retrato do médico francês Bernard de Gordon
Retrato do médico francês Bernard de Gordon (Ilustração: Wikimedia Commons/Divulgação)

A história não para por aí: há outros exemplos recentes de como podemos usar o conhecimento do passado. O próprio Instituto Karolinska, na Suécia, reconheceu essa tendência e deu o Prêmio Nobel de Medicina de 2015 para a química chinesa Tu Youyou, que descobriu um remédio contra a malária após analisar mais de 2 mil textos antigos da medicina Oriental. O trabalho da cientista salvou, sem exageros, milhões de vidas nas últimas décadas.

Numa época em que o mundo parece retroceder no tempo — movimentos anti-vacina e cortes nas verbas de pesquisa científica são apenas dois exemplos dessa lástima —, por que não aproveitar e estudar o que aconteceu de melhor na Idade Média a nosso favor? A resistência bacteriana é um problema que precisa ser enfrentado com a cara e a coragem. O futuro da humanidade vai depender disso.

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