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A ciência faz toda a diferença para salvar vidas e proteger nossa saúde. Entendê-la é preciso. A jornalista Chloé Pinheiro e cientistas convidados se debruçam sobre os bastidores dos estudos e das políticas públicas para trazer notícias e reflexões exclusivas
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“Em um futuro ideal, todos terão seus genes mapeados”, afirma médico

Professor de Harvard defende expansão do sequenciamento genômico em prol da saúde individual e coletiva, mas tecnologia ainda está disponível para poucos

Por Chloé Pinheiro
18 out 2021, 16h32

No ano passado, fui convidada por uma marca a realizar um teste genético, que apontaria meu risco de desenvolver uma série de doenças, além de elucidar outros aspectos, como a tendência de engordar ou emagrecer, a velocidade do meu metabolismo para processar vitaminas ou minha preferência por alimentos doces.

Foi tudo bem fácil: recebi em casa um kit para colher minha saliva e, um mês depois, os resultados chegaram por e-mail. Entre as boas notícias, a de que não tenho alterações genéticas que facilitem o aparecimento da obesidade ou mutações nos genes BRCA 1 e 2, ligados ao câncer de mama e ovário. 

Por outro lado, sou considerada uma pessoa em alto risco de ter câncer de tireoide. Munida dessa informação, fui à minha médica de confiança, que me orientou sobre como deveríamos acompanhar e o que poderia ser feito para diminuir essa probabilidade. 

Como sou uma pessoa sem doenças, que não buscava nada em específico, essa foi uma iniciativa de medicina preventiva baseada em genética. Nesse caso, com uma tecnologia chamada SNP array, que “enxerga” pontos específicos do DNA.

Mas tem gente planejando o próximo passo: o sequenciamento completo do genoma para fins preventivos. Nessa técnica, mais moderna, o código genético todo é analisado, letra por letra. É isso que fazemos, por exemplo, com o coronavírus, para encontrar cedo as temidas variantes de preocupação

Testes genéticos em pessoas e bebês saudáveis

Há muito debate sobre o estudo da genética para prevenir doenças. Afinal, estamos apenas começando a conhecer o genoma humano. Temos menos de 20 anos de convivência com ele. Com exceção das doenças raras, causadas por uma mutação em específico, é difícil cravar o exato perigo que as milhões de outras mutações possíveis podem representar. 

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As questões são de ordem ética e prática, e devem ser debatidas em sociedade. Pode ser que um gene defeituoso nunca cause problemas. Ou que se descubra uma doença incurável, que se manifestará no futuro. Nesses casos, o que fazer? Como lidar com informações tão sensíveis? 

É delicado e confuso, mas, com os avanços dos conhecimentos em genética e a chegada inevitável desses testes ao mercado, precisamos entender melhor como eles funcionam e discutir certos pontos. 

Para isso, conversei com o médico Robert Green, professor de Genômica Preventiva na Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Green, que falou sobre o assunto no I Simpósio Internacional de Medicina de Precisão, promovido pelo Hospital Israelita Albert Einstein, imagina um futuro onde o DNA da população será sequenciado em larga escala. 

LEIA TAMBÉM: O aconselhamento genético a serviço de uma medicina mais preventiva

Conversar com ele me fez entender aspectos importantes da expansão da medicina de precisão e da genética preventiva. A visão global, que vai bem além do DNA, é uma delas. Outro ponto é o acesso. O sequenciamento genético acessível a todos deve ser questão de saúde pública, sim, mas só quando outras questões forem endereçadas. 

Vamos à entrevista! 

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VEJA SAÚDE: Há muitas discussões sobre sequenciamento genético de pessoas saudáveis. Qual é sua posição sobre o assunto? Quando e como ele deve ser utilizado? 

Robert Green: Hoje, o estudo da genética é capaz de rastrear uma variedade de mutações que podem indicar fatores de risco importantes para câncer, doenças cardíacas e outros problemas.

Essa é uma oportunidade única, que não está sendo implementada na medicina por três motivos. 

Motivo um: ainda é consideravelmente caro. Motivo 2: ainda é visto como conhecimento especializado, e não há muito entendimento sobre o assunto entre órgãos reguladores ou geneticistas para orientá-los. E, em terceiro lugar, há muitos medos sobre o assunto, e a maioria é infundado, como o de traumas psicológicos, invasão de privacidade e discriminação. 

Ao meu ver, esses medos foram exagerados, enquanto os benefícios da genética têm sido subestimados. 

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Achei isso um pouco contraditório, porque hoje temos vários teste genéticos à venda no Brasil, inclusive para pessoas saudáveis [conto a ele a história do meu teste]. Como você vê esse tipo de exame e sua chegada massiva ao mercado? 

Esse tipo de teste ao qual você se refere usa tecnologias array-based, que focam em marcadores específicos do genoma. Foi um bom jeito de começar a olhar para os genes, mas é limitado. Não é aí que o valor real da genômica para a medicina está, e sim no sequenciamento, que enxerga cada letra de cada gene. Ele ainda é relativamente caro e complexo, embora isso esteja mudando rapidamente. 

Você tem uma empresa de telemedicina focada em genética preventiva. Como isso funciona? A telemedicina poderia ser uma solução para ampliar o acesso? 

Sim. Um dos obstáculos para a medicina genômica no mundo é que não há muitos especialistas. Por exemplo, em Boston, onde moro, no coração de uma grande cidade, com muitos médicos, as pessoas demoram meses para conseguir uma consulta com um geneticista. 

Minha empresa foi fundada há cinco anos. Tudo é baseado em telemedicina. Um especialista conversa por vídeo, o kit é enviado para a casa do usuário e depois ele recebe um aconselhamento genético completo. Esses kits para o teste são parecidos com os que você mencionou, mas exploram o DNA com um nível 10 mil vezes maior de detalhe.  

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Com esses dados em mãos, médico e paciente discutem os próximos passos. Lembrando que o rastreamento de doenças é um processo. Não é só sobre fazer um teste, mas sobre o que o você faz com o resultado, que especialistas visita e qual é o plano de acompanhamento em longo prazo. 

No fim das contas, o que acontece depois do exame é a parte mais complicada, e frequentemente é deixada de fora das discussões. 

Para que tipo de doenças esse tipo de teste preventivo já está mais consolidado? 

Em adultos, principalmente para algumas formas hereditárias de câncer e doenças cardiovasculares. Em crianças, e particularmente em recém-nascidos, para doenças raras. Nós acreditamos que, em geral, uma em cada 135 crianças nasce com uma doença genética rara e tratável. Então, cada uma delas ocorre muito pouco mas, quando somadas, se tornam surpreendentemente comuns. 

LEIA TAMBÉM: Genética: o desafio de tornar testes e outras ferramentas mais acessíveis

Você acredita, então, que o sequenciamento de recém-nascidos substituirá os testes metabólicos, como o do pezinho, no futuro? 

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A resposta curta é sim. Acho que eles irão se tornar populares, e, ao olhar pra trás, vamos dizer: “meu Deus, por que demoramos tanto tempo para fazer isso?” Mas aquelas três barreiras que comentei no começo da conversa [medos, acesso e falta de profissionais] dificultam muito a implementação de sequenciamento em recém-nascidos. Aliás, se você perguntar para todos os geneticistas do mundo, é provável que 99% sejam contra isso.

Nós não fazemos testes só por fazer, mas sim quando há uma razão específica e em casos em que será possível realizar intervenções com mais benefícios do que risco. Ainda não está provado que sequenciar bebês aos milhões é uma medida justificável, ainda mais por que estamos falando de doenças raras, então é ainda mais difícil comprovar esse benefício. 

Por outro lado, a expansão das terapias gênicas pode mudar esse cenário. Hoje, temos cerca de quatro aprovadas, mas o fato de termos centenas delas em testes é uma razão animadora para repensar o sequenciamento de recém-nascidos. 

Num futuro ideal, como o sequenciamento deveria ser utilizado? Como um check-up no cardiologista? 

Sim. Acho que, no mundo ideal, quando o bebê nascesse, já teria uma amostra de seu DNA coletada e rastreada em busca de doenças genéticas tratáveis.

A partir daí, a família poderia decidir se quer saber sobre outras coisas, como o risco de doenças poligênicas [que não têm uma causa genética específica, mas várias, e cujo aparecimento é influenciado pelo ambiente] ou o perfil farmacogenômico da criança.

Depois, quando o filho crescesse, poderia decidir se quer saber ou não sobre seu risco de câncer, ou de transmitir genes ligados a doenças hereditárias ao filho. É quase como uma livraria de oportunidades para aprender sobre sua saúde em toda a vida. 

Só reforçando que nada é determinístico. Precisamos nos livrar da ideia antiga de que a genética determina seu futuro. Tais exames são importantes para analisarmos riscos individuais. 

Falando agora de acesso. Você acha que o sequenciamento genético da população deve ser considerado uma prioridade para a saúde pública? 

Sim, com certeza. É uma questão de saúde pública, e irá se tornar uma prioridade um dia. Para isso, entretanto, outras problemas, mais importantes, devem ser endereçados. Garantir uma alimentação adequada, programas de cessação do tabagismo e combate à obesidade, prevenção de doenças transmissíveis…. 

Há muitas prioridades de saúde pública que devem vir antes da genética preventiva. Mas ela está crescendo e, quando se popularizar de vez na prática médica, a tecnologia não deveria ser oferecida a uma pequena parcela da população, que pode pagar por isso. 

Nesse ponto, deveríamos pensar: “os custos dos serviços de genética estão caindo muito rápido. Como tornar isso acessível para o maior número de pessoas, da maneira mais responsável possível?” 

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