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Kombucha: veja o que diz a ciência sobre o milenar “chá de imortalidade”

O chá fermentado de berço oriental está em alta, bombando no mercado e na cozinha de quem se aventura a fazer o seu. Saiba o que ele tem de especial

Por Regina Célia Pereira (texto), Laura Luduvig (design)
7 out 2024, 09h29
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Bebida milenar caiu no gosto popular  (Design e ilustração: Laura Luduvig / Foto: Irina Knyazeva/Getty Images/Veja Saúde)
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O kombucha está na moda, mas lá se vão séculos desde que a humanidade começou a apreciá-la. A receita fermentada passou por altares sagrados, serviu como tônico para civilizações antigas, hidratou soldados, participou de festivais hippies, pegou carona em um foguete e foi parar até na Estação Espacial Internacional.

Se nos primórdios havia apenas uma versão de gosto e odor azedos, agora se vê um desfile de sabores, cores e perfumes nas gôndolas. Das frutas cítricas às especiarias, passando por ingredientes regionais, hoje é possível degustar kombucha com açaí, jenipapo, pequi, jabuticaba, butiá, entre tantos representantes dos biomas nacionais.

Pudera! “O Brasil é o segundo país em marcas da bebida no mundo, com cerca de 270. Só perde para os Estados Unidos”, revela o biólogo Lucas Montanari, que faz parte do conselho da Associação Brasileira de Kombucha (Abkom).

Vendas em alta

Trata-se de um mercado em ascensão. De acordo com a consultoria indiana Markets and Markets, as projeções globais nas vendas do produto vão saltar de 2,4 bilhões de dólares em 2024 para quase 6 bilhões até 2029. Os brasileiros estão pegando essa onda, muito embora os americanos, canadenses e australianos produzam e consumam bem mais em números absolutos.

Fato é que, apesar das origens orientais, hoje a busca se intensificou nos quatro cantos do planeta, na esteira da demanda por alimentos com perfil natural e vantagens nutritivas. “De 20 anos para cá, tem havido uma mudança no comportamento do consumidor, com maior procura por produtos saudáveis”, diz Michel Bitencourt, CEO da Tea Shop.

O movimento também acompanha a onda dos fermentados, que, por sua vez, têm tudo a ver com as descobertas da ciência sobre a importância da microbiota intestinal. Isso porque uma parte desse grupo de alimentos, sobretudo os lácteos, carrega culturas vivas capazes de alcançar o intestino, fortalecendo o ecossistema daquela região.

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A formulação do kombucha, a partir de um chá, teria esse potencial probiótico. Potencial bem-vindo não só ao aparelho digestivo, mas também à imunidade e ao humor, como indicam as últimas pesquisas.

+Leia também: Probióticos: um universo em expansão

De surgiu o kombucha?

A fermentação pode ter benefícios, mas foi uma sacada dos nossos antepassados por outro motivo: seu papel na conservação dos alimentos. A ponto de, em algumas culturas, os homens terem adorado deuses relacionados a esse preparo, caso da divindade suméria Ninkazi e de Kvasir, na mitologia nórdica.

Pães, cervejas e vinhos são receitas de sucesso que, graças à atuação de alguns micro-organismos, ganharam o planeta. “No caso do kombucha, algum acaso especial proporcionou a união de diversas espécies de bactérias e leveduras”, conta Montanari.

Juntas, essas criaturinhas transformaram um chá adoçado (imagina-se com mel ou alguma fruta) em uma bebida levemente frisante. Alguém provou e gostou… E a invenção pegou!

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Tudo leva a crer que o berço seja a China, mas ninguém sabe ao certo quando se deu o início dessa história. Há quem diga que o imperador Qin Shi Huang, lá pelos idos de 221 a.C., foi um dos responsáveis pela disseminação do preparo. Inclusive, viria desse período o apelido que lhe foi dado: “chá de imortalidade”.

Outras lendas a respeito envolvem médicos coreanos, monarcas japoneses, guerreiros mongóis, mercadores da Rota da Seda, soldados russos e estudiosos alemães… Prova de que a bebida, ao longo dos séculos, se espalhou e atravessou desertos e oceanos.

Por aqui, mesmo nos anos 2000 mal se ouvia falar de kombucha. O biólogo Cosme Damião Barbosa, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), relata que começou suas pesquisas com o produto em 2015, quando um amigo o trouxe do Canadá.

No laboratório, o professor constatou uma grande concentração de compostos fenólicos, com ação antioxidante, além de efeitos antimicrobianos. “Só que hoje há um apelo exacerbado sobre os benefícios”, repara Barbosa, que se preocupa com modismos, mas ressalta que a bebida é promissora nos estudos.

O futuro dirá se o kombucha veio para ficar… e se popularizar. O fato é que a literatura científica começa a exibir indícios de seus atributos para a saúde e outras finalidades.

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Até para o espaço, acredite, já mandaram um ingrediente da receita. Um grupo de estudiosos do Brasil, da Europa e da Índia lançou para fora da Terra amostras de biofilme de celulose que integram o chá fermentado. Elas foram submetidas a condições similares às de Marte.

De volta ao nosso planeta, observou-se que parte das bactérias ali sobreviveu ao meio extraterrestre, abrindo perspectivas para a criação de materiais úteis na colonização de outros pedaços do Universo. Quem diria!

A base da receita

kombucha-receita
Clique na imagem para ampliar (Design e ilustração: Laura Luduvig Foto: Irina Knyazeva/Getty Images/Veja Saúde)

O que diz a ciência sobre o kombucha?

Da Estação Espacial Internacional para laboratórios brasileiros, outra pesquisadora que anda esmiuçando o kombucha é a nutricionista Mirian Aparecida de Campos Costa, doutoranda em ciência e tecnologia de alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais.

Ela é autora de uma revisão de quase 1 400 estudos, publicada no periódico Critical Reviews in Food Science and Nutrition, que vasculha o potencial antioxidante, anti-inflamatório e desintoxicante do produto.

Há evidências de que ele seria um aliado contra a disbiose intestinal. “A disbiose é marcada pelo desequilíbrio entre os micro-organismos que habitam o cólon, com maior concentração de bactérias patogênicas em detrimento das benéficas”, explica Mirian. Nessa situação, a permeabilidade do intestino pode ser prejudicada, permitindo que moléculas e micróbios nocivos viajem pela circulação e deixem um rastro de inflamação pelo organismo.

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+Leia também: Dieta anti-inflamatória: ciência ou moda?

Resguardar a parede que reveste os confins do aparelho digestivo é uma das mais nobres tarefas das bactérias e outras criaturas parceiras que moram na região. Parceiras que são alimentadas por aquilo que a gente ingere — e nos retribuem com favores. “Há indícios de que a sinergia entre as substâncias e os micro-organismos presentes no kombucha favoreça a produção de ácidos graxos de cadeia curta”, ilustra a nutricionistaVanderlí Marchiori, conselheira da Associação Brasileira de Fitoterapia (Abfit).

Ora, esses componentes estariam por trás da proteção da mucosa intestinal.

Kombucha é probiótico?

Ainda que a bebida colecione elogios e pistas de benefícios, há um longo caminho de testes e análises antes de poder exibir alegações funcionais no rótulo ou nas propagandas.

“Embora contenha micro-organismos capazes de promover o equilíbrio da microbiota intestinal, o kombucha não pode ser considerado uma bebida probiótica”, afirma Svetoslav Todorov, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP).

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De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), probióticos são “micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefício à saúde do indivíduo”.

O professor Flaviano dos Santos Martins, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que as espécies com essas características são isoladas, estudadas e cultivadas em laboratório. “E, mesmo que existam tais exemplares na formulação, para a comprovação do efeito é necessário realizar estudos clínicos, com voluntários humanos, o que é um processo custoso”, expõe.

Em outras palavras, é preciso demonstrar que as cepas conseguem passar pelo trato digestivo e chegar, em grande quantidade, ao intestino grosso.

É difícil atestar essa propriedade entre os kombuchas porque as receitas também apresentam um perfil microbiológico variável — tudo depende das condições de fermentação e dos insumos utilizados. “Em média, podem ser encontradas entre 60 e 100 espécies diferentes de bactérias e de 12 a 22 de leveduras convivendo em simbiose”, calcula o engenheiro químico Thiago Cunha, diretor de pesquisa e desenvolvimento da startup Labkom e professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

Dentro desse universo até existem criaturinhas com efeito probiótico reconhecido, caso de Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus plantarum e Lactobacillus rhamnosus. O que falta é demonstrar, em testes controlados com consumidores, suas benesses na prática.

Mas esse é um campo de pesquisa em ebulição — e cada vez mais investimento. Até porque os probióticos não estão sozinhos. Uma das inovações na área são os parabióticos. “O termo se refere a compostos inativados, derivados de micro-organismos de ação probiótica já mortos, que continuam a proporcionar benefícios à saúde”, traduz Cunha. Eles passam por processos térmicos ou químicos para manter as propriedades e aprimorariam o ambiente intestinal. Adivinhe quem pode reunir os tais parabióticos… Sim, o kombucha.

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O que tem nas gôndolas

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Clique para ampliar (Design e ilustração: Laura Luduvig / Foto: Irina Knyazeva/Getty Images/Veja Saúde)
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