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Indonésia, nórdica, mediterrânea… O mapa-múndi das dietas

Vira e mexe um cardápio regional é alçado à fama — nas redes sociais ou nos centros de pesquisa. Convidamos você a viajar por essa geografia de sabores

Por Regina Célia Pereira
17 jun 2022, 12h33

Uma visita ao dicionário mostra que a palavra “dieta” vem do grego e significa modo de viver. Suas raízes evocam um conjunto de hábitos, e não apenas o que vai ao prato.

Portanto, não causa estranheza a mais aclamada das dietas em matéria de nutrição, a mediterrânea, contemplar, além de pescados, azeite e frutas e hortaliças, toda uma cultura, com um dia a dia mais ativo e um jeito próprio de levar a vida e se relacionar com os outros.

A coleção de pesquisas que atestam seus benefícios à saúde resulta dessa saborosa soma de elementos. “Tanto que ela já foi declarada patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco”, conta a nutricionista Juliana Watanabe, que acaba de concluir mestrado sobre o tema na Universidade Internacional de Valência, na Espanha.

Outras dietas ganharam fama após estudos e propagandas científicas, caso da viking e daquela de Okinawa, no Japão. Mas há menus regionais que nem precisaram desse verniz acadêmico para “viralizar”. O sucesso veio com as redes sociais, caso da dieta indonésia.

E é aí que o termo “dieta” perde aquele significado original mais amplo. “Ao longo do tempo, a palavra se tornou quase um sinônimo de regime para perder peso”, diz a nutricionista Marle Alvarenga, doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e idealizadora do Instituto Nutrição Comportamental.

E não é por menos que qualquer cardápio, especialmente se vier de um lugar distante, logo se populariza, surfando no desejo generalizado de emagrecer num planeta cada vez mais rechonchudo. A dieta da Indonésia foi a última a atravessar oceanos com a força da internet e a aterrissar aqui.

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Embora o estilo de vida no arquipélago asiático tenha muitos atributos considerados saudáveis, o menu só decolou, ao que parece, com o caso de um rapaz que perdeu quilos e quilos com ele. Alguém embalou e vendeu essa história nas redes e, pronto!, ela se espalhou.

Na visão da nutricionista Brunna Boaventura, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a internet virou um centro de busca de “cardápios milagrosos”. E, nesse cenário, as pessoas apostam cada vez mais em ingredientes exóticos (e de formas excêntricas): há quem engula cúrcuma em jejum para “secar a barriga”, por exemplo.

Mas os profissionais de saúde sérios advertem que não há dieta, receita ou erva mágica. A tal da cúrcuma, famosa por colorir pratos asiáticos, não vai enxugar a gordura sozinha — e qual a graça de apreciá-la longe da comida?

É bem-vindo e saudável trazer novos sabores à alimentação diária. Mas pode ter certeza de que tudo fica mais gostoso no devido contexto. Então que tal recrutar um pouco dos temperos, das tradições e dos ensinamentos de autênticas dietas dos quatro cantos do mundo?

Entre o local e o global

Descendente de japoneses, nascida no Brasil e morando na Espanha, Juliana Watanabe vive a dieta mediterrânea em seu cotidiano. “Muito mais do que um padrão alimentar, ela é uma herança cultural valiosa”, nota.

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A nutricionista, que também é chef, conta que os segredos e truques das receitas são passados de geração em geração. E, na pesquisa para o seu mestrado, pôde comprovar que as habilidades culinárias refletem na qualidade do cardápio. “Isso favorece o maior consumo de frutas, verduras, leguminosas, ervas e outros alimentos saudáveis e típicos da região”, constata.

Provas robustas de que seguir esse modelo faz bem ao organismo pipocam. Uma das últimas vem de um trabalho publicado no periódico The Lancet, que comprovou a proteção cardiovascular do menu mediterrâneo em um grupo de 1 002 pessoas.

Outro padrão que ascendeu no meio científico (e nas redes sociais) é a chamada nova dieta nórdica, popularmente batizada de dieta viking. Um estudo recente, feito por pesquisadores dinamarqueses, aponta bons efeitos nos níveis de colesterol e glicose no sangue — préstimos notáveis no combate a problemas de coração e ao diabetes.

A nutricionista Carolina Pimentel, doutora em ciências da nutrição pela USP, acompanhou alguns dos costumes escandinavos quando participou de uma expedição para ver de perto a aurora boreal — fenômeno climático que ocorre nas regiões próximas ao Ártico. Uma de suas experiências foi saborear um salmão vindo daquelas águas gélidas. “O sabor é completamente diferente, meio adocicado, muito mais gostoso”, diz.

Como outros povos, os nórdicos valorizam os alimentos locais. E deixam de lição essa concepção de estimar mais o que é nosso. “Que tal ter um peixeiro para chamar de seu?”, brinca Carolina. Enquanto lá eles têm salmão e bacalhau, aqui temos o olhete e o buri, perfeitos para ceviche ou sashimi. Resgatando o conceito original de “dieta”, o estilo de vida nórdico contempla ainda atividades ao ar livre para aproveitar os raios do Sol, mais raros lá em cima.

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A conexão com a natureza também é priorizada em Okinawa. “Esse contato, seja praticando jardinagem, seja cuidando de hortas domésticas, é essencial para relaxar”, exemplifica Denise, que morou no Japão em 2019.

Okinawa é uma das blue zones, expressão criada pelo americano Dan Buettner após um estudo antropológico pelo globo que se refere aos locais com maior concentração de centenários. Além da ilha japonesa, fazem parte das zonas azuis Icária (Grécia), Nicoya (Costa Rica), Loma Linda (EUA) e Sardenha (Itália).

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Não há fórmula mágica

Os profissionais ouvidos por VEJA SAÚDE são unânimes ao dizer que as benesses desse elenco de dietas se devem ao conjunto da obra. “Comer é muito mais que a ingestão de nutrientes, traz lembranças, envolve tradições, crenças e preferências”, ressalta a nutricionista Valéria Machado, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para muitos franceses, fãs dos ingredientes mediterrâneos, as refeições são tratadas como eventos especiais, com direito a decoração da mesa e música ambiente. “Rituais desse tipo são promotores de saúde”, comenta Marle.

Já em um dos países que lideram o ranking da obesidade, os Estados Unidos, a relação com a comida vive um paradoxo. O mercado de alimentos light, diet e fit cresce, ao mesmo tempo que se abusa das calorias, do açúcar e da gordura. E vira e mexe um elemento leva a culpa por tudo: ora o glúten, ora o leite…

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Entre os precursores dessas dietas restritivas, está o agente funerário inglês William Banting (1797-1878), que, junto de seu médico, aconselhava banir o carboidrato — um dos pais do low carb. O slogan é popular até hoje, mas não é sinônimo de emagrecimento de verdade.

De acordo com a nutricionista Desire Coelho, autora de Por Que Não Consigo Emagrecer (Fontanar), o corte do nutriente promove perda de peso no início, já que a tendência é eliminar água e as reservas de energia do corpo, mas não elimina gordura nem se sustenta no longo prazo.

A nutrição moderna, guiada por equilíbrio, estimula incluir, e não excluir. “Quanto mais frutas e hortaliças, melhor”, defende Vanderlí. E respeita cada vez mais os costumes da região e a sustentabilidade. “Precisamos valorizar o que é sazonal, local e in natura”, resume a nutricionista Adélia de Arruda Neta, pesquisadora da USP.

“A alimentação deve se basear em ingredientes acessíveis, culturalmente aceitos pela população e produzidos sem prejudicar o meio ambiente”, completa Eduardo De Carli, nutricionista e colega de Adélia na USP.

O time de De Carli avaliou dados de mais de 46 mil brasileiros e percebeu que a maioria da população não adota um cardápio saudável e sustentável. O grupo usou parâmetros de uma comissão internacional que cunhou o termo “dieta planetária” e defende um modelo alimentar focado em vegetais, com redução nos itens de origem animal.

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Nessa linha, a nutricionista Maísa Mota Antunes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), propõe descascar mais e desembalar menos, como já faziam nossos antepassados. “Comida, para além de calorias e nutrientes, é história”, afirma. Isso vale para cá… E para todas as outras latitudes.

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O mapa-múndi das dietas

Dieta da indonésia
O arquipélago, com mais de 15 mil ilhas dispostas entre os oceanos Pacífico e Índico, é coberto de vulcões, templos religiosos e plantações de arroz, chá e flores. Ostenta uma das maiores biodiversidades do mundo e dispõe de políticas públicas de incentivo aos alimentos locais.

A chamada dieta indonésia contempla uma mistura de hortaliças, frutas (o coco não pode faltar), soja, peixes e frutos do mar. “Essa culinária se destaca pelo uso de especiarias, caso de gengibre e pimenta, que incrementam as receitas com compostos protetores e as tornam mais saborosas”, diz a nutricionista Brunna Boaventura.

Dieta mediterrânea
É a mais festejada aos olhos da ciência — sobretudo pelos benefícios cardiovasculares. Embora o cardápio dos países banhados pelo Mediterrâneo possa ter variações, os pilares do estilo de vida são compartilhados. A dieta remonta aos gregos e romanos da Antiguidade e abarca a tríade pão, vinho e azeite.

Frutos, hortaliças, leguminosas, grãos integrais, queijos e iogurtes magros, pescados e toda a sorte de amêndoas, nozes e castanhas são degustados por espanhóis, franceses, italianos e companhia. Acrescente-se, ainda, a prática de atividade física ao ar livre. “É comum ver famílias se exercitando em parques”, relata Juliana. Descansar é outro aspecto primordial na rotina, inclusive com um tempinho para a siesta, a soneca vespertina imortalizada na Espanha.

O respeito à sazonalidade dos alimentos é um dos ensinamentos dos mediterrâneos. Além de frutas, verduras e legumes, recomenda-se optar por pescados da época. A atitude tem tudo a ver com a reprodução, a maturação e o tamanho das espécies e não só favorece o meio ambiente como é garantia de comida mais fresca, nutritiva e saborosa.

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Dieta nórdica
Vem da terra dos dragões, elfos, valquírias e outros seres mágicos um dos menus mais badalados atualmente. Rebatizado como nova dieta nórdica, o padrão alimentar dos países escandinavos abrange grãos integrais, como o centeio (matéria-prima para pães), frutas e hortaliças locais, com destaque para as berries (frutinhos roxos e vermelhos), repolho, beterraba e pescados de águas frias.

Os métodos de conserva desenvolvidos pelos vikings ainda se mantêm — e o bacalhau, peixe símbolo da Noruega, é o melhor exemplo. Carnes de caça também são apreciadas, o que inclui até renas, mas em porções modestas.

“Além da inspiração para o cardápio, os povos nórdicos deixaram um legado dos rituais, e isso se reflete no modo de fazer as refeições”, observa Carolina. A celebração da passagem das estações e das colheitas envolve música, dança e, claro, comida. Dieta na acepção clássica da palavra.

Dieta de Okinawa
Localizada no sul do Japão, a ilha é conhecida pela longevidade do seu povo. “O modo simples de viver, a prática de atividade física, o fortalecimento das relações coletivas e o equilíbrio na alimentação ajudam a conter doenças associadas à idade”, justifica a nutricionista Denise Kunitake Maeno, de São Paulo.

O cardápio prioriza ingredientes regionais, caso do melão-de-são-caetano, além de peixes, algas, cogumelos, tofu, carne de porco, broto de bambu, batata-doce e chá de jasmim.“Um dos princípios de Okinawa é o hara hachi bu, que ensina a parar de comer antes de estar totalmente satisfeito para não sobrecarregar o corpo”, conta Denise.

Dieta do Oriente Médio
O berço da civilização, descrito nas Escrituras como a terra do leite e do mel, ofereceu ao mundo as especiarias e tornou as receitas mais coloridas, perfumadas e gostosas. “A base do cardápio é bem parecida com a dieta mediterrânea”, pontua a nutricionista Vanderlí Marchiori, de São Paulo.

Mas há um espaço maior para tâmaras, damascos e outros frutos secos, que desfilam fibras e compostos antioxidantes. Sementes como o gergelim também marcam presença nos pratos. Uma lição que vem de lá é a versatilidade ao usar um ingrediente. O grão-de-bico, por exemplo, pode aparecer cozido em sopa; em forma de pasta, no famoso homus; e ainda assado com pitadas de sal, um petisco delicioso.

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Dietas norte-americanas
No país onde a fome por fast-food convive com uma profusão de dietas da moda, é importante separar o joio do trigo. E ficar só com cardápios criados e testados por cientistas para resguardar a saúde. É o caso da Dash, sigla para dieta de combate à hipertensão, elaborada há mais de 20 anos com o objetivo de controlar a pressão arterial, mas também capaz de ajudar a equilibrar o colesterol e a glicemia.

Ela privilegia cereais integrais, frutas, legumes, verduras, castanhas, sementes e pequenas porções de carnes e laticínios magros. Outra dieta aprovada é a Mind, que mistura a Dash e a mediterrânea, com o intuito de enfrentar doenças neurodegenerativas.

Segundo a nutricionista Valéria Machado, a aposta aqui são fontes de substâncias antioxidantes e anti-inflamatórias, caso das frutas vermelhas, que colaboram para reduzir o risco de males como Alzheimer.

O aprendizado aqui é: cuidado ao importar novas dietas disseminadas pelas redes sociais e livros de autoria duvidosa. Melhor extrair os conselhos da Dash e da Mind: aumente o consumo de alimentos de origem vegetal e diminua a oferta de comidas e bebidas ultraprocessadas. Há embasamento científico nisso.

Dieta de matriz africana
Feijão-fradinho, feijão-rajado, feijão-de-corda, inhame, quiabo, jiló, maxixe, verduras verde-escuras, tamarindo, melão, melancia. A lista soa familiar? Pois esses são alguns dos alimentos que aparecem na feira brasileira e na pirâmide alimentar de matriz africana.

Nesse continente, apesar das significativas variações regionais, o colorido e a alegria imperam nas refeições. Segundo a nutricionista Maísa Antunes, os africanos nos ensinam a valorizar a comida de verdade, a atividade física na rotina e a atenção no momento de comer. Então, que tal desfrutar com calma e foco o desjejum, o almoço e o jantar? É ótimo saborear as refeições e conversar em família — mas sem eletrônicos por perto.

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Dieta brasileira
Estudiosos afirmam que é difícil falar assim, no singular, dados o tamanho do país e a diversidade regional. Mas alguns itens ultrapassam fronteiras internas, caso do arroz com feijão. Pesquisas indicam que, ainda que tenha perdido espaço nas casas, ele segue uma referência da alimentação brasileira.

O que muda são os acompanhamentos — vegetais cozidos ou em salada, peixes para quem mora perto de rio ou litoral, carnes no interior. A farinha de mandioca, em suas diferentes versões, também é apreciada por boa parte da população.

Mesmo que a comida seja temperada com o sabor da miscigenação, a globalização trouxe mudanças. “Hoje se vê grande consumo de ultraprocessados, sobretudo entre os adolescentes”, repara a nutricionista Adélia Neta.

Mas, claro, não dá para deixar de falar dos destaques locais: no Norte, frutos como guaraná e açaí; no Nordeste, o caju e o umbu; no Centro-Oeste, o pequi e o baru; no Sudeste, a jabuticaba; e, no Sul, a erva-mate.

O Brasil vive ainda um movimento de exaltação de ingredientes e receitas típicas, o que inclusive traz para a cozinha as PANC, plantas alimentícias não convencionais (taioba, ora-pro-nóbis, beldroega…).

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