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Será o fim da cirurgia para tratar o câncer?

O tratamento mais antigo contra a doença é desafiado por remédios e tecnologias de última geração. Mas também não ficou parado no tempo - pelo contrário

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 17 nov 2016, 16h30 - Publicado em 12 abr 2016, 16h36

Na família dos tratamentos para o câncer, a primogênita cirurgia foi concebida milênios antes de suas irmãs. Enquanto radio, quimio e hormonoterapia deram seus primeiros passos no século 20 – e a caçula imunoterapia só amadureceu após os anos 2000 -, ela carrega uma certidão de nascimento de meados de 1600 antes de Cristo. Nessa época, um papiro egípcio considerado como um dos primeiros tratados médicos da história já prescrevia arrancar tumores do corpo. Apesar do longo currículo de feitos e experiências, a intervenção com o bisturi terá de mostrar agora que mantém papel crucial na luta contra os tumores para não ser aposentada no futuro.

“Em algumas situações, as operações realmente têm sido substituídas por outras estratégias”, ressalta o oncologista Fernando Maluf, do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, em São Paulo. O caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diagnosticado em 2011 com um câncer de laringe, encaixa-se aí. Décadas atrás, ele passaria por uma cirurgia para remover o problema e, no processo, provavelmente ficaria sem voz pra sempre, consequência capaz de arruinar a carreira de um político. Porém, com acesso a cuidados de ponta, submeteu-se a uma combinação de quimioterápicos e sessões de radioterapia que o livraram da doença – sua fala ficou ainda mais rouca por um tempo, mas ele seguiu com seus discursos e comícios. Nesse contexto, tumores específicos de pulmão, rim e cavidade anal, entre outros, também passaram a dispensar o bisturi. As possíveis vantagens disso? Redução de efeitos colaterais e, em determinados quadros, até uma maior chance de superar a doença.

Entretanto, é simplista imaginar que, com a chegada de mais remédios e tecnologias, a cirurgia será extirpada do arsenal usado para atacar nódulos malignos. No fim do ano passado, um grupo de pesquisadores da The Lancet Oncology Comission publicou um artigo reforçando a relevância do método e seus principais avanços, que não são poucos. Pra começo de conversa, os autores estimam que, em 2030, 80% dos 21,6 milhões de novos casos de câncer no mundo precisarão desse tipo de abordagem – alguns em várias ocasiões. Serão, segundo essas contas, 17,3 milhões de ocorrências ao redor do globo, um número que praticamente responde por si só ao título da reportagem. “Ao contrário do que se fala, a cirurgia oncológica está em franca progressão. Mas concordo que seu aspecto vem mudando bastante”, analisa Ademar Lopes, cirurgião oncológico do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista.

O oncologista Stephen Stefani, do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, separa essas transformações em duas áreas. “Acredito que aquelas grandes operações, que envolvem muitos cortes, sangue e cicatrizes, estão com os dias contados. No futuro, elas praticamente se restringirão a traumas e acidentes, como uma batida de carro”, avalia. “Também usaremos cada vez menos a cirurgia como tratamento único. A tendência é integrá-la às outras armas que temos à disposição”, conclui.

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O progresso diante do câncer de mama ilustra as colocações de Stefani. Em 1890, o médico americano William Halsted criou a mastectomia radical, que retira o seio inteiro, bem como músculos e outras estruturas da região. Os resultados dessa tática agressiva, que de fato reduziu a reincidência local da doença na época, tornaram-na uma unanimidade até a década de 1970. Aí entra um brasileiro na história. Cirurgião do A.C.Camargo, Fernando Gentil (1920-1989) foi um dos primeiros a desenvolver uma técnica que preserva boa parcela da anatomia feminina sem baixar as taxas de sobrevivência. Hoje, a mastectomia radical caiu em desuso e, em certas mulheres, existe inclusive a possibilidade de recorrer a um procedimento minimamente invasivo – método por meio do qual o especialista passa uma câmera e os instrumentos necessários para extrair o tumor através de um buraquinho.

Toda essa evolução, aliás, não dependeu apenas de novas tecnologias e técnicas cirúrgicas. Para que sua proposta trouxesse resultados satisfatórios, Gentil incluiu no plano terapêutico doses de químio, que visam eliminar células malignas espalhadas pelo organismo, e sessões de radioterapia, capazes de destruir focos danosos ao redor do seio sem a necessidade de arrasar o local inteiro com o bisturi. “Uma das revoluções contra o câncer foi a integração de diferentes tratamentos”, diz Lopes, que é um dos discípulos de Gentil. “Atualmente, por meio de um aparelho portátil chamado Intrabeam já dá para fazer uma aplicação de radioterapia durante a operação”, exemplifica.

Em primeiro lugar, tamanha sinergia – que não se limita ao câncer de mama nem à interação cirurgia/radioterapia – traz a chance de preservar mais tecido saudável. E isso se converte em qualidade de vida: além do efeito estético, quadros como dores crônicas, infertilidade e dificuldades de movimentar partes do corpo rarearam. E não é só. “Metade dos tumores de mama reincide quando se usa exclusivamente a cirurgia”, calcula Stefani. Claro, há momentos em que ela dá conta do recado sozinha – frente a subtipos de câncer pouco agressivos ou detectados em fase inicial, por exemplo -, porém essa está longe de ser a única ou mesmo a principal estratégia contra a maioria dos casos.

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Avanços para quem?

O Instituto Jacques Perissat (IJP), em Curitiba, é uma das referências em intervenções minimamente invasivas, talvez a maior moda da cirurgia oncológica. Se cinco anos atrás a instituição mal tinha alunos de pós-graduação com foco no câncer, em 2015 cerca de 30% da turma pertencia a essa especialidade. “Havia resistência à técnica. Muitos questionavam se, com ela, seria possível manter os princípios de tirar o tumor e parte do tecido que o cerca, além de extrair os caminhos por onde poderia se espalhar”, lembra o cirurgião Christiano Claus, do IJP. Mas estudos atestaram que, via de regra, essa cirurgia é tão efetiva contra o câncer quanto a tradicional – com a vantagem de acarretar menos efeitos adversos.

Mais: por às vezes evitar danos excessivos ao organismo, as cirurgias minimamente invasivas diminuiriam o risco de o paciente desenvolver, tempos depois, alguma complicação séria por causa do procedimento. “Em certos cânceres de rim, agora conseguimos preservar parte do órgão. E é melhor ter dois rins funcionando do que um”, contextualiza Maluf. Por curiosidade, a ausência de um dos nossos filtros naturais facilita o surgimento de hipertensão e doenças cardíacas, entre outras encrencas.

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Apesar da evolução inegável na área, a investigação da comissão do The Lancet aponta que o investimento em pesquisas com cirurgia oncológica é muito menor do que o destinado a novas drogas. Fora isso, só 25% dos pacientes fazem uma operação segura, de qualidade e no momento adequado. Garantir acesso à família inteira de tratamentos (invasivos ou não) é que será um verdadeiro marco no combate a essa doença.

Quando a meta não é a cura

O levantamento da The Lancet Oncology Comission lembra que as operações não são empregadas somente de forma curativa. É, por exemplo, com elas que se instala o cateter por onde o médico administra quimioterápicos e outros fármacos. Isso sem falar nas biópsias – quando se retira um pedacinho de tecido doente para investigá-lo melhor e, assim, traçar o plano terapêutico ideal. “Se pensarmos em todas as aplicações, quase 100% dos pacientes terão que se consultar com um cirurgião”, arremata o oncologista Stephen Stefani.

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A sala de operação moderna
As mudanças nesse ambiente trouxeram ganhos reais às vítimas do câncer


Cortes mínimos

O expert insere um tubo com uma microcâmera e outros instrumentos através de um furinho – daí, realiza a operação normalmente. A cirurgia minimamente invasiva gera menos efeitos colaterais e acelera a recuperação.

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Robô-cirurgião

A precisão dessas máquinas é incomparável. Manejadas por médicos treinados, ajudam a extirpar a enfermidade sem lesionar muito as imediações. Mas estão restritas a poucos centros.

Técnicas diversas

Hoje, 277 cirurgias diferentes são usadas na oncologia. Ou seja, para cada particularidade há uma opção ideal. Exemplo: no câncer de próstata, uma intervenção permite preservar nervos, baixando o risco de impotência.

Anestesia

Tantas evoluções abreviaram o tempo de algumas operações. Em virtude disso, anestésicos com diferentes potências e durações foram produzidos. Pontos para uma reabilitação rápida.

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