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Precisamos falar sobre a saúde das pessoas com deficiência

A falta de inclusão social, aliada às características de cada limitação, abala o bem-estar físico e mental desses indivíduos. É preciso mudar esse cenário

Por Karolina Bergamo
Atualizado em 13 dez 2017, 09h20 - Publicado em 23 fev 2017, 11h12

“Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação” — é o que diz a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Mas, na prática, sabemos que nem sempre é o caso.

“É difícil incluir esses indivíduos na sociedade, porque desconhecemos seus potenciais e suas limitações. Isso faz com que a deficiência seja encarada como um fardo ou um problema sem solução”, argumenta o fisioterapeuta Bertran Gonçalves Coutinho, da Faculdade Maurício de Nassau, na Paraíba.

E esse fardo recai no bem-estar físico e mental. A dificuldade para ingressar no mercado de trabalho, por exemplo, dificulta a adesão a um plano de saúde e a cobertura de despesas médicas. A falta de amparo de familiares e terceiros, por sua vez, coloca qualquer um pra baixo. São, enfim, muitas particularidades que demandam atenção de todos nós.

Aí que entra o trabalho da terapeuta ocupacional Marilia Bense Othero. Ela investigou quais as necessidades de saúde dos deficientes, sob a ótica deles. Para isso, ouviu a história de vida de seis pessoas com diferentes tipos de deficiência. E publicou os resultados em sua dissertação de mestrado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Listamos abaixo algumas dessas descobertas e outros fatores que merecem destaque quando o assunto é inclusão social e a saúde de pessoas com deficiência.

Saúde mental

Além de ter que lidar com os impactos que eventuais limitações físicas ou psíquicas trazem para a rotina, o deficiente sofre com as consequências da falta de inclusão social. A falta de mobilidade urbana, por exemplo, tira o ânimo e abre espaço para raiva, culpa, angústia… Sentimentos que, se não controlados, aumentam o risco de doenças como depressão.

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Se por um lado a exclusão social fomenta emoções negativas, por outro complica a busca por hobbies e atividades relaxantes. Você já parou para pensar como uma pessoa surda consegue assistir a um filme nacional no cinema? Sem legendas, fica complicado entender o enredo do começo ao fim. Ir a um show de uma banda também parece não fazer muito sentido.

Acontece que experiências como essas podem, sim, ser adaptadas para tornar a vida dos sujeitos com deficiência auditiva mais divertida. Para citar um caso, a intérprete americana Amber Galloway Gallego faz sucesso na internet interpretando — de maneira lúdica — músicas, shows, memes e vídeos em linguagem de sinais. Ela inclusive é chamada para “traduzir” canções durante apresentações musicais.  Veja abaixo a reportagem compartilhada pelo Instituto Mãos Que Cantam, de São Paulo:

Voltando à pesquisa de Marilia, o engajamento dos deficientes em atividades lúdicas, produtivas e que carreguem um valor pessoal é fundamental para a autoestima e dignidade. Também é importante ressaltar o papel da família, dos amigos e dos profissionais em oferecer a ajuda necessária para facilitar o dia a dia.

Saúde física (para além da deficiência)

A reabilitação ocupa um lugar central na saúde dessas pessoas. Mas, como qualquer ser humano, cuidados odontológicos, ginecológicos e por aí vai também fazem parte do cotidiano. Ou melhor, deveriam fazer parte.

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Um dos entrevistados para o artigo de Marilia, Ricardo* — portador de uma deficiência física congênita (paralisia infantil) e operador de telemarketing — afirma: “Ficou meio rotulado que o deficiente vai procurar só fisio, e não é. De uma forma geral, a gente adoece e tem que buscar vários profissionais”.

Outro voluntário na pesquisa é Jair*, um deficiente visual. Vítima do glaucoma, uma doença caracterizada pelo aumento da pressão intraocular que leva à cegueira, ele reclamou de uma dor de dente. A pergunta que fica é: como escovar a arcada dentária sem uma boa referência visual do que fazer? Ou como entender o tratamento do odontologista?

Pensando nisso, a empresa brasileira Neodent desenvolveu o projeto Neo Sorrisos. Por meio de cartilhas em braile e protótipos, os deficientes visuais passam a entender como será feito o implante e o que fazer daí em diante. Confira:

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=_VBiSPeuuEg&w=560&h=315]

*Os nomes verdadeiros não foram informados na dissertação.

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Dia a dia ativo

Mais uma dificuldade enfrentada pelos deficientes envolve os exercícios físicos. Sim, eles são no mínimo tão importantes a eles quanto para qualquer um. O problema é encontrar locais onde praticar um esporte adaptado ou uma calçada sem ameaças a cada esquina.

“Qualquer tipo de atividade física pode contribuir. Só é preciso considerar a deficiência e a modalidade que mais agrada a pessoa”, comenta a educadora física Débora Lourdes Martins, do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais.

O sedentarismo é prejudicial a qualquer um, mas, para os deficientes físicos, o impacto é mais intenso. O deficiente que passa muito tempo em uma posição compromete a circulação sanguínea e dificulta a oxigenação nos músculos, o que pode contribuir para o surgimento de feridas e para a perda de tônus muscular

Débora Lourdes Martins, educadora física do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais

Saúde sexual

A sexualidade do deficiente ainda é tabu. E a falta de discussão sobre o tema patrocina a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre essa população.

Segundo dados do Ministério da Saúde, 38% das mulheres e 35% dos homens com alguma limitação já pegaram DSTs. “Para construir uma sociedade inclusiva, é imprescindível enfrentar os preconceitos”, arremata Mariana Moraes Salles, da clínica Vyvá, em São Paulo. Varrer o tabu do sexo para debaixo do tapete não fará bem a ninguém.

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O mercado de trabalho e a saúde

“A taxa de desemprego chega a ser 80% maior entre pessoas com deficiência”, informa o fisioterapeuta Bertran Coutinho. Mais: 90% das crianças com alguma dessas encrencas não frequentam a escola.

A paulista Viviane Alvarez, estudante universitária de 21 anos, é um dos 45,6 milhões de brasileiros com deficiência — ela possui a doença de Charcot-Marie-Tooth, uma condição degenerativa que acomete os nervos periféricos e afeta principalmente a força das mãos e dos pés. “Existe um abismo de oportunidades entre as pessoas com deficiência e as sem”, afirma. “Já nas entrevistas de emprego acham que você não tem capacidade. Isso é desmotivador.”

Para ela, as cotas de vagas em empresas definidas por lei não ajudam tanto, porque desconsideram a diversidade desses indivíduos e suas potencialidades. Isso limitaria o candidato com alguma restrição a cargos menores e pouco desafiadores. “É preciso deixar de enxergar pessoas com deficiência como coitadas ou incapazes”, salienta Coutinho.

Segundo dados da Relação Anual de Informação Social (RAIS) de 2011, apenas 0,07% dos vínculos empregatícios no Brasil envolvem deficientes. No documentário “Ela Não Anda, Ela Desfila – Inclusão Social no Mundo da Moda”, as jornalistas Fernanda Parra, Flávia Piza, Jéssica Sole e Marina Borges retratam como o “mercado de trabalho fashion” se relaciona com modelos cadeirantes e amputadas. Veja o teaser do filme, que será lançado em março no YouTube:

[youtube=https://www.youtube.com/watch?v=pCqGGfsueko&w=560&h=315]

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A deficiência e a pobreza

Na maioria dos casos, os portadores de uma deficiência se tornam dependentes da família por falta de oportunidades. “Eles estão mais suscetíveis à pobreza e isso tem um impacto que vai além da sua condição “, analisa Regina Célia Fiorati, terapeuta ocupacional da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

Como anexo, um estudo conduzido em várias instituições do Reino Unido e dos Estados Unidos descobriu que a pobreza é um maior fator de risco para a perda de anos de vida do que a obesidade e o consumo excessivo de álcool. Eles analisaram mais de 1 milhão de indivíduos para chegar a essa conclusão.

Para começar a resolver a questão da falta de inclusão social, nós precisamos ser melhor representados na mídia, por exemplo. O assunto tem que ser tratado com mais seriedade e responsabilidade

Viviane Alvarez, estudante universitária e cadeirante

A saúde das pessoas com deficiência depende de diversos fatores — e a inclusão social está no cerne de quase todos. Aceitar a diversidade, respeitar limitações e valorizar potencialidades dessa população precisa ser prioridade nas políticas públicas e também nas atitudes de cada um de nós.

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