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“O mundo está focado em curar doenças em vez de preveni-las”

Em entrevista inspiradora, presidente de um dos mais importantes institutos de pesquisa pede maior atenção às medidas preventivas

Por André Biernath
Atualizado em 17 nov 2017, 18h38 - Publicado em 23 dez 2016, 16h09

O belga Daniel Zajfman, presidente do Instituto Weizmann de Ciências, em Israel, esteve no Brasil para uma série de palestras e encontros. Uma delas chamou a atenção por sua espontaneidade: foi realizada num bar no meio do Clube Hebraica, em São Paulo.

Durante o bate papo com uma plateia lotada, ele discutiu e apresentou diversas questões relacionadas ao universo da pesquisa científica. Antes de subir ao palco, Zajfman concedeu uma entrevista exclusiva para SAÚDE, em que conta como é o trabalho no centro de estudos que ele dirige e qual a importância da educação para o desenvolvimento de um país.

Sete dos 25 remédios mais vendidos do mundo foram criados no Instituto Weizmann. Qual o segredo de vocês?

É muito simples: excelência em curiosidade. Não é nem segredo… O que precisamos é possuir a habilidade de encontrar as pessoas certas e oferecer uma boa infraestrutura e um espaço para que elas possam pensar. Fim de papo.

Enquanto todo mundo procura uma solução para um problema, nós tentamos apenas entender a natureza. Nós chamamos isso de pesquisa conduzida pela curiosidade. No começo, pode parecer que o trabalho não vai dar em nada, porque não há um objetivo específico. Porém, se analisarmos as grandes descobertas da humanidade, perceberemos que elas foram encontradas por pessoas que não tentavam resolver um problema.

Vamos pegar a penicilina como exemplo. Ela não foi desenvolvida porque alguém pesquisou especificamente uma maneira de combater infecções bacterianas. Foi puro acidente. Isso é o que fazemos: nós fazemos acidentes. Do nosso ponto de vista, esse processo é muito mais eficiente do que os outros.

Há uma grande dificuldade em conectar a pesquisa básica, feita no laboratório, com as necessidades da vida real. Como vocês trabalham essa questão?

É difícil, mesmo para nós. E não há uma única solução. Hoje em dia, algumas opções de alta tecnologia não funcionam necessariamente no dia a dia. Você tem que se ajustar.

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Em geral, nós nos vemos como produtores de conhecimento, não como vendedores de um produto. Nós tentamos oferecer a possíveis interessados acordos de licenciamentos e patentes sobre as nossas descobertas. Importante: nós oferecemos de graça. No acordo, a indústria não precisa nos pagar por esse conhecimento. Mas, se eles forem bem sucedidos, então dão o dinheiro.

O primeiro ponto chave é criar um sistema que seja igualitário e que não tenha barreiras. Tentamos focar no sucesso. A segunda coisa é que nós nunca criamos empresas. Cientistas não criam companhias. Elas são gerenciadas por pessoas que sabem o que estão fazendo. Cientistas fazem pesquisa e homens de negócio gerem empresas.

Há muita complicação quando cientistas tentam estabelecer suas próprias companhias, porque eles não são preparados para isso. Você tem que respeitar o fato de que existe um modelo de negócio e um modelo de ciência. Nós damos o conhecimento e não nos metemos nos negócios. Nós damos liberdade a eles para que façam seu trabalho.

Por outro lado, também não guiamos nossas pesquisas no instituto pelas necessidades do mercado. Volto a repetir: somos guiados pela curiosidade. O que for descoberto está bom, ficamos satisfeitos. Nós somos muito tranquilos em entender o valor da pesquisa, mesmo que não entendamos a utilidade dela naquele momento. A sociedade pode demorar mais de 20 anos para entender para quê aquela descoberta serve. É preciso ter paciência.

“Enquanto todo mundo procura uma solução para um problema, nós tentamos apenas entender a natureza. Nós chamamos isso de pesquisa conduzida pela curiosidade.”

Daniel Zajfman
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Também é comum vermos resultados espetaculares na pesquisa básica que, quando transpostos para a pesquisa clínica, não apresentam os mesmos efeitos. Como vocês lidam com essas expectativas e frustrações?

Sempre haverá expectativas e frustrações. E não podemos prever com exatidão se o que encontramos no laboratório em condições específicas utilizando animais como cobaias será o mesmo no mundo real. Você tem razão: muitas vezes a experiência não se traduz em resultados palpáveis.

Quando temos descobertas interessantes, chamamos os investidores para apresentá-las. Caso recebamos um retorno negativo, trabalhamos para subir um patamar. Nós criamos projetos de um ano ou menos em que desenvolvemos protótipos e modelos experimentais. A própria indústria deveria fazer isso, mas não fazem porque os riscos são muito altos. Nós assumimos esse risco com projetos que tenham uma validade para o mundo real.

Só uma em mil drogas estudadas e avaliadas no laboratório vira realidade e chega às farmácias. Como vocês lidam com o patrocínio e o aporte financeiro desses estudos?

Nós não desenvolvemos drogas. Nós transformamos dinheiro em conhecimento. Nós somos uma instituição acadêmica e tentamos entender a vida, a natureza, os sistemas moleculares, o corpo humano… Não curamos doenças, mas tentamos entender como elas funcionam.

Nunca esperamos ter um retorno de nossas pesquisas, uma vez que somos uma organização sem fins lucrativos. Ao mesmo tempo, sabemos que parte desse conhecimento pode ser útil para o desenvolvimento de novas drogas. Quando isso acontece, ficamos muito felizes. Daí é papel da indústria desenvolvê-las.

Não investimos nosso dinheiro em novas soluções terapêuticas. Utilizamos nossos recursos na pesquisa fundamental. Por isso, não esperamos um retorno financeiro delas. Só queremos prover conhecimento. E isso já basta para nós.

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Nossa meta original é investir em um conhecimento que se acumula e que, quem sabe um dia, alguém utilize essas informações para encontrar novas soluções. Fazemos ciência em benefício da humanidade.

Houve um grande avanço em áreas como oncologia e reumatologia, com o lançamento de novas drogas. E a maioria dos fármacos desenvolvidos no Instituto Weizmann são dessas especialidades. O problema é que esses remédios são caros e há uma discussão de quem vai pagar a conta. Como a ciência pode ajudar a resolver esse dilema?

Essa é uma questão muito complicada. A resposta simples é não, a ciência não tem um papel aqui. Afinal, nós provemos conhecimento, não estamos envolvidos no custo final.

A resposta complexa é que o sistema é caro por muitas razões. Não apenas por causa das drogas em si, mas pela regulação, pela necessidade de assumir riscos. E principalmente porque nós não damos enfoque na questão da prevenção. Quando temos uma doença e uma cura para ela, podemos ver que aquilo funciona.

Mas quando alguém não tem nenhum problema e você aposta num programa de prevenção, você não vê um resultado palpável. Ora, ela simplesmente não tem enfermidade! O mundo está focado em curar doenças em vez de preveni-las. Isso se deve ao fato de que, quando você previne, não acontece nada a olho nu.

É o que ocorre também com os acidentes de carro. Como jornalista, você não noticia a ausência de batidas de automóvel. A notícia é sempre o acidente de carro em si. Como jornalista, você não pode falar sobre a ausência de doenças, mas, sim, dos problemas de saúde.

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Não estou culpando você, mas a forma como o sistema está organizado. O mundo inteiro pensa assim. Nós podemos reduzir dramaticamente os custos do sistema de saúde se focássemos na prevenção. O médico não é remunerado para prevenir doenças, mas, sim, para tratá-las. A indústria farmacêutica é paga para fabricar drogas que curam doenças. Se não houvesse doenças, a indústria farmacêutica entraria em falência.

Quem é responsável pela prevenção então? Eu penso que são as companhias de seguro e os planos de saúde. Há um interesse dessas empresas de criar um programa e investir na prevenção porque há um ganho financeiro aí. Se você pudesse apostar na prevenção, economizaria muito dinheiro. E as coisas só se movem quando há interesse financeiro…

“Há 50 anos, países ricos eram aqueles que possuíam minérios e petróleo, produtos que estavam a milhares de quilômetros debaixo da terra. A riqueza da economia de hoje está a 1,7 ou 1,8 metro acima do solo, no nosso cérebro.”

Daniel Zajfman

O que a ciência pode fazer para tornar a vida das pessoas mais saudável?

Boa parte da ciência funciona nesse sentido. É só analisarmos quanto evoluímos de milhares de anos atrás, na época em que vivíamos nas cavernas, para hoje. Há 100 anos, a expectativa de vida era de 40, 45 anos no máximo. Hoje passamos dos 80 anos. Podemos pensar em qualidade de vida, mas é um processo gigante que acontece dia após dia.

Uma parcela considerável da ciência está focada em curar doenças. A outra parte é guiada pela curiosidade, como já discutimos. Essa segunda turma precisa de muita paciência, porque às vezes as pessoas pensam que a pesquisa fundamental não leva a nada. E leva a muitas coisas, você não pode ignorá-la.

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Em muitos países há falta dessa pesquisa básica, porque estamos focados em solucionar pequenos problemas em vez de ver o todo. O equilíbrio entre esses dois pontos de vista precisa ser estabelecido, o que infelizmente não acontece nos dias atuais.

Como você imagina que as ciências de saúde vão se desenvolver nos próximos dez anos?

Eu não tenho a menor ideia. Só os ignorantes fazem previsões sobre a ciência. A única coisa que sabemos é que a saúde será mais personalizada. É curar pessoas em vez de doenças.

Os médicos não têm muitos dados hoje em dia. Já é possível fazer grandes descobertas com a quantidade de informações que temos disponível. Radiografias e exames de imagem, por exemplo, se tornam cada vez mais específicos. Entramos numa área em que o número de informações disponíveis é gigante.

Estou falando de genômica, proteômica [estudo das proteínas das células], metabolismo… Podemos analisar muitas coisas. E o foco será em entender esses dados. Os médicos precisarão mudar a forma como trabalham de modo a entender o que esses dados significam. Isso vai melhorar dramaticamente a nossa relação com a saúde. Haverá mais dados em que poderemos confiar.

Dessa maneira, quando um médico tomar uma decisão, ela será baseada em informações. Hoje em dia, muitas vezes o médico se vê diante de um paciente em que podem ser aplicadas três drogas. Ele tenta uma. Se der errado, parte para outra. Dessa maneira, ele perde tempo, dinheiro e ainda pode causar danos. Será que podemos montar um sistema em que se tenha a droga certa, na dose certa, no momento certo, para o paciente certo?

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Os pesquisadores brasileiros enfrentam grandes dificuldades em fazer seu trabalho. Há problemas de investimento, de infraestrutura… Qual é o impacto que a ciência tem no desenvolvimento de um país?

Em primeiro lugar, todos os países enfrentam problemas com a falta de investimento. É como as nossas contas bancárias. Nós nunca achamos que o valor que está ali é suficiente, sempre queremos mais.

É óbvio que diferentes países têm formas distintas de gastar com a pesquisa. O problema é criar um modelo econômico de se fazer ciência. Há 50 anos, países ricos eram aqueles que possuíam minérios e petróleo, coisas que estavam a milhares de quilômetros debaixo da terra. Esse era o grande tesouro. A riqueza da economia de hoje está a 1,7 ou 1,8 metro acima do solo, no nosso cérebro. Vivemos na economia do conhecimento.

A única maneira de se dar bem nela é educar os cidadãos. Hoje em dia, países ricos em recursos naturais são pobres. Se você olha para as nações com maior produção de petróleo, se é a única coisa que possuem, elas são muito pobres. Por mais que existam indivíduos ricos ali, a qualidade de vida geral da população é baixa. E olha que há muito potencial. A razão disso é que os países só ficarão ricos por meio de seu povo. Investir em ciência e educação é a melhor maneira de melhorar a economia.

Você não deve pensar em investir em ciência apenas para ter um novo celular, um novo computador, um novo medicamento. Precisamos pensar na ampliação do sistema educacional para que tenhamos novas ideias próprias. Para isso é necessário elevar o nível educacional de toda a população. Está aí um investimento muito poderoso, por mais que o processo leve uma ou duas décadas para dar os seus primeiros resultados.

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