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Enquanto a cura da aids não vem

Avanços recentes permitem que pessoas com HIV vivam tanto e tão bem quanto os demais. Ainda assim, prevenir novos casos continua na agenda de desafios

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 2 out 2019, 10h48 - Publicado em 1 dez 2017, 05h28

Mais de 30 anos após o pânico inicial, a aids é uma velha conhecida que anda meio sumida da boca do povo. Essa situação preocupa os profissionais que lidam de perto com a doença. Para eles, não há dúvida: ainda vivemos uma epidemia. “Incomoda ver que hoje podemos tratar direito quem tem HIV, mas não conseguimos reduzir o número de novos casos, que seguem ao redor de 2 milhões ao ano pelo mundo”, relata o infectologista Ricardo Vasconcelos, responsável pela Casa da Aids do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Não que as estratégias para conter o problema tenham arrefecido. Pelo contrário. Em 2014, a Unaids, vinculada à Organização das Nações Unidas, lançou as metas 90-90-90, as mais ambiciosas na história do combate à epidemia. O plano é que 90% dos infectados conheçam sua condição, 90% dos soropositivos sejam tratados e 90% dessa população tenha a carga viral zerada. Tudo isso até 2020.

O Ministério da Saúde calcula que existam 827 mil soropositivos no Brasil, sendo que 112 mil não sabem que têm o vírus

Além de impedir a transmissão do HIV, é no grupo do meio que reside o principal desafio. “O Brasil já praticamente bateu a primeira meta, com 87% de diagnósticos estimados, mas só 65% dessas pessoas se tratam”, contextualiza Georgiana Braga-Orillard, diretora da Unaids no país. O dilema não é nem tanto a falta de adesão, mas levar assistência a quem, de fato, precisa dela — trabalho que tem de vencer também os preconceitos que continuam rondando o assunto.

Para quase meio milhão de brasileiros em tratamento, 2017 foi um ano de conquistas. Em janeiro, o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou uma nova geração de medicamentos, mais eficiente e com menos efeitos colaterais. E olha que remédios por vir pretendem revolucionar (de novo!) a terapia. Para barrar o contágio, autotestes e outras táticas já se unem ao bom e velho preservativo. Isso sem falar nas perspectivas de uma vacina… e da tão sonhada cura. É hora de percorrer os avanços e vislumbrar essas promessas.

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Coquetel em um só remédio

Reunir os princípios ativos que combatem o vírus no menor número de pílulas. Eis a tendência da vez para facilitar a vida do cidadão com HIV. Já existe um comprimido que combina três antirretrovirais, mas entre eles está o efavirenz, que pode provocar danos renais em longo prazo.

Tanto é que ele foi substituído como primeira opção de tratamento pela classe dos inibidores de integrase, que impedem o DNA do vírus de se fundir ao da célula humana. “Eles são mais bem tolerados e ficam menos concentrados nos rins”, explica a infectologista Anita Campos, diretora para a América do Sul da Gilead, farmacêutica que anunciou um comprimido que une três desses antirretrovirais mais modernos. O medicamento já está em análise pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Uma injeção mensal (ou até bimestral)

Em um futuro não tão distante, os comprimidos podem ceder lugar a injeções aplicadas a cada mês ou dois meses. É o que sugerem os resultados de um estudo internacional recém-publicado. Ele avaliou o efeito de injeções espaçadas de dois antirretrovirais em mais de 200 pacientes.

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Após dois anos, 87% dos que receberam a dose uma vez ao mês suprimiram o vírus. Em quem foi picado a cada bimestre, a taxa de eficácia subiu para 94%. Em comparação, 84% do grupo que seguiu tomando as pílulas diárias conseguiu domar o HIV. A investigação continua, mas os experts estão otimistas.

“As injeções poderão evitar esquecimentos que acarretam falhas na ação do remédio, além de diminuir o surgimento de mutações virais que geram resistência ao tratamento”, diz Roberto Zajdenverg, gerente médico da GSK, laboratório que criou uma das injeções.

Além da camisinha

O preservativo segue como o melhor instrumento de prevenção, só que nem sempre é utilizado. Atento a isso, o Ministério da Saúde investe em táticas adicionais de contenção do vírus, caso da profilaxia pré-exposição (PrEP), que será ofertada na rede pública a grupos mais vulneráveis — por ora, homens que fazem sexo com homens sem parceiro fixo, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis.

“Trata-se de um comprimido que combina dois antirretrovirais e tem eficácia comprovada para impedir a transmissão com poucos efeitos colaterais”, conta o médico Mario Peribanez, da Sociedade Paulista de Infectologia. Alguns estudos mostram que o esquema pode funcionar também se adotado antes e depois da possível exposição, mas a taxa de adesão tende a cair.

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A chegada do autoteste

Em agosto deste ano desembarcou nas farmácias brasileiras o primeiro teste rápido para fazer em casa — ele tem uma eficácia de 99,9% e custa cerca de 70 reais. Basta uma gotinha de sangue extraída da ponta do dedo e o resultado sai em 20 minutos. “Uma parcela das pessoas prefere realizar o teste em um ambiente mais privativo, seja pelo receio de serem discriminadas no serviço público, seja pelo desejo de saber junto com o seu parceiro se estão infectadas”, expõe Grangeiro.

A novidade à venda no país pode ser uma saída, então, para diminuir a estimativa de que 112 mil indivíduos carregam o vírus sem sequer saber. “Muita gente ainda tem medo não só de descobrir mas de contar para os outros e, depois, começar o tratamento”, observa Georgiana. Este é um dos gargalos por trás da persistência da epidemia.

Não é tarde para cortar o mal

Falamos da profilaxia pós-exposição, ou PEP, um recurso para impedir que o vírus se instale no organismo se por acaso teve acesso a ele — é o contrário da PrEP. Tem se ampliado o rol de pessoas que podem lançar mão desse expediente, antes restrito a casos de violência sexual e profissionais de saúde que se acidentam com agulhas contaminadas.

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“Quem fez sexo de maneira desprotegida também pode procurar o serviço de saúde até 72 horas depois do fato e solicitar a medicação antirretroviral, que deve ser tomada por 28 dias”, explica Beto de Jesus, porta-voz no Brasil da Aids Healthcare Foundation. A organização desenvolveu em 2016 a mandala da prevenção combinada, que une estratégias como a PrEP e a PEP. “Não adianta ter um modelo único de proteção, pois as pessoas são diferentes”, raciocina De Jesus.

Vacina à vista

Embora haja ceticismo entre alguns especialistas, há uma linha de pesquisa promissora rolando lá na África do Sul, país que sofre com mil novas infecções por HIV todo dia. O experimento envolve mais de 5 mil homens e mulheres e testa dois imunizantes, fabricados pela GSK e pela Sanofi Pasteur.

As duas vacinas já tinham apresentado uma taxa de proteção de cerca de 31% em estudos anteriores e agora foram modificadas para aumentar sua potência. Elas não são feitas com o inimigo em si: uma utiliza pedaços da proteína gp120, presente no próprio HIV, e a outra uma versão atenuada do pox vírus, que ataca pássaros. “O problema é que o envelope do HIV sofre mutações constantes, então fica difícil isolar uma partícula que estimule imunidade duradoura”, pondera Peribanez.

Corrida para a cura

O sonho persiste. Apesar de os medicamentos já zerarem a carga viral em circulação, condição em que a aids não se manifesta e o agente transmissor não passa para outras pessoas, é complicado falar em uma remissão completa da infecção.

É que o vírus se esconde em reservatórios pelo corpo, esperando algum vacilo no tratamento para voltar à ativa. “Os trabalhos científicos mais promissores usam uma estratégia chamada de kick and kill, ou chutar e matar, para tirá-lo desse esconderijo e, então, eliminá-lo de vez. Ocorre que as drogas utilizadas atualmente para esse fim são muito tóxicas”, desvenda Anita.

Outra dificuldade é que o DNA do HIV se une ao de algumas células e ainda não há tecnologias capazes de “recortar” com segurança o código genético para tirar o pedaço invasor. Sim, a luta continua.

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