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Coronavírus: corrida pela cura da Covid-19

Descobrir remédios e vacinas contra o coronavírus se transformou na maior prioridade dos cientistas. Apuramos o que está na frente e as promessas de sucesso

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 10 jun 2020, 14h04 - Publicado em 16 Maio 2020, 09h54

Imagine a prova mais esperada da Olimpíada, televisionada para o planeta inteiro. Ela começa com um atleta à frente, que de repente perde o fôlego. Outros concorrentes se aproximam, ultrapassam e agora seguem lado a lado. Alguns já não acompanham ou desistem da prova. Ainda está nebuloso vislumbrar o pódio. E, quando houver um vencedor, é bem provável que ele não cruze a linha de chegada sozinho. As previsões da ciência são diferentes das esportivas, mas é mais ou menos assim que enxergamos a corrida por tratamentos e vacinas contra a Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2).

Nunca o mundo assistiu em tempo real ao trabalho de tanta gente para derrotar uma doença. E o maior desafio é a busca de respostas rápidas, num ritmo oposto ao da dinâmica tradicional e criteriosa das pesquisas.

Nessa maratona contra o tempo e o sofrimento dos pacientes, duas medicações com potencial, a cloroquina e a hidroxicloroquina, foram alçadas cedo demais ao posto de favoritas. Experimentos de laboratório feitos em células atestaram que esses compostos usados contra malária e doenças autoimunes inibiam a replicação do vírus Sars-CoV-2.

Em março, uma pesquisa francesa com 36 portadores de Covid-19 indicou que todos eles haviam se curado com a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina, um antibiótico. O achado foi o estopim para a fama, mas logo recebeu duras críticas: não havia um grupo controle tomando outro remédio ou placebo (pílulas sem princípio ativo) como comparativo, tampouco o trabalho fora revisado por cientistas independentes, um rito clássico para garantir a confiança nos resultados.

Semanas depois, estudos conduzidos na China e na Europa colocaram dúvidas sobre o poder de fogo da cloroquina — e ainda apontaram efeitos colaterais sérios, como arritmias.

“O assunto virou uma discussão midiática, mas ainda não sabemos a real eficácia dessa abordagem. Das centenas de trabalhos feitos até agora, parte sugere que funciona bem, a mesma quantidade mostra que não e outra parcela diz ainda que ela faz mal”, analisa Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Eistein, em São Paulo, que participa da Coalizão Covid Brasil, aliança de instituições nacionais que investiga tratamentos contra a infecção.

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Além da hidroxicloroquina, a coalizão irá testar outra linha promissora de medicamentos, os imunomoduladores, que interferem na reação do corpo ao vírus. A droga escolhida é a dexametasona, anti-inflamatório da classe dos corticoides, que já demonstrou efeito contra outras formas de síndrome do desconforto respiratório agudo — uma das piores evoluções da Covid-19.

A lógica por trás é a seguinte: qualquer infecção desperta no organismo uma inflamação. Daí vêm sintomas clássicos como febre e dor. Mas, com o coronavírus, algumas pessoas produzem uma “tempestade inflamatória” — e, aí, o tiro do corpo pode sair pela culatra. “Pacientes com a forma mais grave da doença têm uma resposta exacerbada do sistema imune, que acaba atacando o próprio organismo”, explica Alexandre Biasi, superintendente de pesquisa do HCor, em São Paulo, que também participa da Coalizão Covid Brasil.

Além dos corticoides, outros fármacos podem regular a inflamação fora de controle, caso dos anticorpos monoclonais, medicamentos injetáveis mais modernos e capazes de bloquear moléculas inflamatórias específicas. Um deles, o tocilizumabe, demonstrou reduzir rapidamente a febre e melhorar a função respiratória dos acometidos pela doença.

“Nosso desafio é entender quem terá essa reação, mas sabemos que ela é importante para explicar, por exemplo, por que certos nonagenários se recuperam e jovens precisam de terapia intensiva”, conta a médica Viviane Cordeiro Veiga, coordenadora da UTI da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, outro membro da coalizão.

Na rota pela cura, a Organização Mundial da Saúde (OMS) capitaneia um estudo global, o Solidarity, em parceria com instituições como a brasileira Fiocruz. Além de remédios com efeito anti-inflamatório, o projeto testará diferentes esquemas com antivirais. São drogas já utilizadas para deter outros vírus, mas potencialmente tóxicas quando usadas em longo prazo (basta pensar no tratamento do HIV).

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Fora que só inibir a multiplicação do vírus não é garantia de recuperação. “O antiviral pode ajudar, mas o tratamento também precisa minimizar problemas como a reação inflamatória e os danos aos tecidos”, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

Outras categorias de medicamentos também estão no alvo de hospitais e centros de pesquisa. É o caso de vermífugos e de anticoagulantes — estes últimos atuam contra um efeito secundário da Covid-19, a formação de microtrombos nos pulmões e coágulos nas artérias.

Algo que acelera a busca dos candidatos a terapia é o reposicionamento de remédios já aprovados para outras condições, o que permite eliminar etapas do rito de análise e aprovação de fármacos. Uma medicação nova, concebida especificamente contra o coronavírus, pode demorar mais de uma década para nascer.

“Quanto mais drogas prontas descobrirmos, melhor”, afirma o biólogo Lúcio Freitas, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), enquanto dirige até Campinas para levar brigadeiros à sua equipe, que vai virar mais uma madrugada em um megaesforço para testar até 4 mil princípios ativos por semana contra o Sars-CoV-2.

Aqueles que demonstram ação in vitro (em células) passam por novos estudos até chegar a gente como a gente. “O que se observa nessa primeira etapa é muito diferente daquilo que acontece quando um humano toma um comprimido”, pondera Luciano Cesar Azevedo, superintendente de ensino do Hospital Sírio-Libanês, também parte da Coalizão. Pode levar meses ou anos para que o efeito ou a dosagem sejam delimitados.

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Os especialistas ouvidos por VEJA SAÚDE visualizam um futuro de múltiplas opções terapêuticas, definidas de acordo com as características do paciente.

Ficha técnica – Cloroquina e Hidroxicloroquina

O que são: dois medicamentos parecidos e utilizados há décadas contra malária e doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide. Alguns governantes e profissionais os alçaram precocemente a solução do problema.

Como agem: alteram o pH no interior das células humanas, o que torna o ambiente desfavorável para a replicação do vírus. Também parecem interferir nos receptores celulares utilizados pelo Sars-CoV-2 como porta de entrada.

O que sabe a ciência: relatos de caso e estudos clínicos mostram redução da carga viral — especialmente junto à azitromicina —, mas outros dizem que não faz diferença na recuperação da Covid-19. Ensaios maiores trarão respostas até o meio do ano.

Para quem: antes receitadas aos casos graves, hoje são administradas também em infectados com sintomas moderados — a critério médico ou dentro de estudos. Mas há risco de eventos adversos graves, sobretudo ao coração.

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Ficha técnica – Imunomoduladores

O que são: medicações que regulam a resposta da imunidade ante o vírus. Fazem parte anti-inflamatórios do tipo corticosteroides, anticorpos monoclonais e drogas como o interferon, utilizado na hepatite C.

Como agem: a depender do tipo, podem reduzir a inflamação no geral, bloquear moléculas inflamatórias específicas ou estimular a atividade de defesa da própria célula atacada para impedir a replicação do vírus.

O que sabe a ciência: nada categórico por ora. Corticoides já foram estudados para síndrome do desconforto respiratório agudo no passado, mas as evidências disponíveis para Covid-19 são consideradas de qualidade baixa e moderada.

Para quem: nos hospitais, são usados em casos graves ou como parte das pesquisas. Há momento certo para entrarem em jogo. No início do tratamento, corticoides podem suprimir demais as defesas, liberando passagem ao vírus.

Ficha técnica – Antivirais

O que são: fármacos criados originalmente para combater outros vírus em si. Hoje são mais estudados o lopinavir e o atazanavir, que atuam contra o HIV, o remdesivir, feito para o ebola, e produtos que miram o influenza, da gripe.

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Como agem: a ideia de praticamente todos é bloquear alguma etapa da replicação do vírus. O mecanismo é semelhante entre diferentes famílias virais: o patógeno se apodera da célula do hospedeiro e produz um monte de cópias.

O que sabe a ciência: em laboratório, funcionaram bem. Mas os testes clínicos apontam resultados contraditórios. O remdesivir é o que parece ter se saído melhor até aqui e foi aprovado para uso emergencial nos Estados Unidos.

Para quem: por enquanto são usados em caráter de pesquisa no exterior. No Brasil, os médicos podem receitar o tamiflu, contra o influenza, para pacientes com suspeita de Covid-19 até que se exclua o diagnóstico de gripe.

Ficha técnica – Anticorpos

O que são: falamos de duas abordagens: o plasma de convalescente, que oferece anticorpos em um soro extraído do sangue de recuperados da Covid-19 para pacientes críticos; e anticorpos criados em laboratório.

Como agem: o organismo precisa de um tempo para fabricar seus próprios anticorpos contra um novo agressor. Essa estratégia já os entrega prontos, mas com sobrevivência limitada dentro do corpo.

O que a ciência sabe: há indícios de melhora na evolução e na taxa de alta com o plasma de convalescente, que tem poucos efeitos colaterais. Os anticorpos neutralizantes de laboratório estão em construção e ainda não passaram por testes.

Para quem: o plasma de convalescente só foi testado em indivíduos com quadros críticos. A Clínica Mayo, nos Estados Unidos, avalia agora a possibilidade de fazer a transfusão mais cedo, nos primeiros dias de internação.

As vacinas contra o coronavírus

Enquanto a jornada pelo tratamento segue seu rumo, outra corrida se desenrola: a dos imunizantes. “É a nossa única arma para realmente evitar a transmissão do vírus e pandemias como essa”, defende o virologista Edison Luiz Durigon, professor do ICB-USP.

“São mais de 100 tipos em desenvolvimento, e nossa expectativa é ter a vacina ideal em até dois anos”, conta o imunologista Jorge Kalil, professor da Faculdade de Medicina da USP e líder da pesquisa com uma das candidatas brasileiras. O médico recorda que a vacina mais rápida da história, para o ebola, levou cinco anos para ficar pronta. Agora é torcer para que os cientistas quebrem esse novo recorde.

Conheça agora três das principais estratégias de imunização em estudo:

mRNA

Quem pesquisa: o método se vale da informação genética do vírus e é investigado por farmacêuticas multinacionais e empresas de biotecnologia.

Qual é a tecnologia: usa só o RNA mensageiro do vírus, molécula que traduz a informação genética em proteínas. Uma espécie de receita de bolo, só que de fabricação de pedaços virais. Não há vacinas semelhantes disponíveis atualmente.

Como atua: induz nossas células a reproduzir somente a proteína que fica na cobertura do vírus e é utilizada em suas invasões. Com isso, o corpo passa a reconhecer o intruso das próximas vezes que cruzar com ele e já sabe se defender.

Previsão de chegada: a Pfizer, uma das companhias que investem nessa linha, prevê que, com resultados positivos, poderá iniciar a produção no final de 2020.

VLP

Quem pesquisa: a sigla faz referência ao termo em inglês virus-like particles, estratégia estudada pelo InCor-USP e por laboratórios americanos.

Qual é a tecnologia: cientistas criam uma molécula semelhante a uma casquinha que imita o vírus por fora mas é vazia por dentro. A versão brasileira pretende usar áreas específicas da proteína responsável pela entrada do patógeno nas células.

Como atua: a meta é induzir duas respostas diferentes. A produção de células de defesa do tipo CD4, importantes para a fabricação de anticorpos, e as CD8, que reconhecem e destroem outras células já infectadas.

Previsão de chegada: testes com humanos devem começar a ser feitos entre o final deste ano e o início de 2021.

Bivalente

Quem pesquisa: um consórcio entre a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Fiocruz, a USP e o Instituto Butantan, em São Paulo

Qual é a tecnologia: a técnica emprega o vírus influenza, da gripe, atenuado e geneticamente modificado, para que contenha em sua superfície pedaços da proteína do coronavírus que lhe garante a conexão com as células.

Como atua: estimularia a produção de anticorpos que freiam o vírus aderindo àquelas proteínas. Espera-se que uma única dose previna tanto a gripe quanto a Covid-19 — e a vacina seja reaplicada de tempos em tempos.

Previsão de chegada: estudos clínicos devem ocorrer entre o segundo semestre de 2021 e 2022.

O rito da ciência

Entenda o fluxo de pesquisa convencional para validar remédios e vacinas e como a pandemia pode flexibilizá-lo:

Fase 1: após testes positivos com células e animais em laboratório, começa a fase clínica. Na primeira etapa, participam até 100 voluntários. O foco maior é a segurança do composto avaliado e o ajuste de dosagem.

Fase 2: o estudo inclui de algumas centenas a mil indivíduos. É o momento de obter mais dados de segurança e começar a averiguar a eficácia em pacientes com determinada doença ou condição.

Fase 3: a pesquisa avalia o impacto em milhares de pacientes em mais de uma instituição, por um período de até dez anos. Os resultados são enviados a órgãos técnicos (Anvisa, no Brasil; FDA, nos EUA) para aprovação do produto.

Fase 4: depois de o medicamento ou a vacina receber aval das agências, estudos de acompanhamento são realizados para checar a segurança em longo prazo e detectar eventuais efeitos colaterais tardios.

Em tempos de Covid: empresas estão realizando simultaneamente as fases 1 e 2, com aprovação das entidades regulatórias, testando fórmulas já consagradas em outros contextos e se preparando desde já para a produção em massa.

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