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O novo teste da bochechinha para recém-nascidos: quando ele é útil?

Esse exame genético para rastrear doenças em bebês reaquece a discussão sobre a importância de fazer a triagem neonatal

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 25 nov 2020, 09h12 - Publicado em 9 jan 2020, 10h15

Hoje, quando uma criança nasce no Brasil, tem direito a passar por pelo menos cinco exames simples, rápidos e gratuitos que flagram precocemente doenças capazes de comprometer o desenvolvimento ou até mesmo levar à morte. E o melhor: todas podem ser contornadas com o tratamento correto. Os exames em questão fazem parte da triagem neonatal, composta de teste do pezinho, teste do olhinho, teste da orelhinha, teste do coraçãozinho e teste da linguinha (falaremos mais sobre eles no fim da reportagem), e devem ser oferecidos e feitos ainda na maternidade.

É à luz dessa premissa de caçar e controlar desordens que se manifestam ainda na infância que um novo método, baseado na análise do DNA, desponta por aqui: o teste da bochechinha.

O exame, desenvolvido e comercializado pelo laboratório brasileiro Mendelics, vai atrás de quase 300 condições genéticas raras — e depende de uma amostra de saliva colhida no interior da bochecha do bebê.

A investigação só é possível graças a uma tecnologia de ponta que processa uma quantidade maciça de informações. “Não analisamos apenas letra por letra do genoma, mas cortamos o DNA em fragmentos e sequenciamos essas partes centenas de milhares de vezes”, explica o médico André Valim, um dos criadores do teste.

Nos quatro anos de elaboração e estudo, o grupo construiu um banco de dados com os genes de mais de 70 mil indivíduos. Graças aos aprendizados do algoritmo que rege o sistema de análise, é possível encontrar logo cedo doenças tão diversas como fenilcetonúria, diabetes e surdez congênita.

“Em muitos casos, ao encontrá-las e tratá-las, levamos a uma melhora dramática na vida da criança e salvamos vidas”, afirma Valim.

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A novidade é promissora, mas ainda não há um consenso de que todo recém-nascido deveria passar por um teste genético sem apresentar sintomas ou anormalidades.

Se, por um lado, saber que o pequeno pode desenvolver um problema permite entender melhor eventuais manifestações ou até agir preventivamente, por outro é capaz de gerar ansiedade a troco de algo que talvez nem dê as caras. É que nem toda alteração genética se materializa em uma enfermidade.

“É provável que, no futuro, a gente consiga confirmar exatamente como será a expressão do gene, mas por enquanto um achado genético não significa que sempre haverá doença”, esclarece o patologista Armando Fonseca, responsável pelo setor de triagem neonatal do Hospital e Maternidade Santa Joana, na capital paulista.

Por isso, a regra hoje tem sido fazer o caminho inverso: em vez de examinar qualquer bebê saudável, só se faz um teste genético diante de suspeitas e sintomas específicos.

Os prós e contras do teste da bochechinha

A chegada do novo exame suscita também alguns dilemas. De acordo com pediatras consultados, ainda se desconhece a real vantagem de descobrir mais cedo certas desordens genéticas e metabólicas.

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Outro ponto de discussão é que o resultado de um exame poderia afetar, por exemplo, a forma como os pais cuidam da criança ou até mesmo servir de motivo para aumentar a mensalidade do convênio antes que ela ficasse doente de fato. Seria diferente de outros exames obrigatórios hoje, como os da triagem neonatal, que captam pistas decisivas de que há um problema em curso, ainda que silencioso.

Assim, apesar de ser mais abrangente, hoje o teste da bochechinha não deve substituir o do pezinho, mas complementá-lo. Até porque, segundo a médica Patricia Salmona, presidente do Departamento de Genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo, o teste do pezinho visualiza condições que não são determinadas somente por alterações em genes, caso do hipotireoidismo congênito.

Para ela, uma investigação preventiva do DNA faria mais sentido em grupos de maior risco, como casais consanguíneos ou com histórico de doenças raras ou hereditárias na família.

É claro que, se os demais pais desejarem, têm todo o direito de fazer o teste da bochechinha — até porque falamos de uma inovação confiável e segura. Mas vale a pena contar com a interpretação e o aconselhamento de um médico geneticista. A ideia da Mendelics é baratear o custo do exame para que, um dia, ele possa ser oferecido até na rede pública.

“Vejo com bons olhos esse movimento, mas como vamos pensar nisso hoje se ainda não temos nem o teste do pezinho em todo o território nacional?”, questiona o geneticista Salmo Raskin, do Departamento de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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Falando nele, aliás, os especialistas ouvidos por SAÚDE concordam que o próximo passo da triagem neonatal gratuita deve ser oferecer o teste do pezinho ampliado. Hoje já há tecnologia para encontrar mais de 100 doenças, mas só seis são avaliadas na versão do SUS.

O resumo do teste da bochechinha

Já disponível no Brasil, ele se vale de técnicas de sequenciamento de última geração, que permitem analisar não apenas os genes, mas pequenos fragmentos do DNA. Dessa forma, acusa alterações com grande probabilidade de provocar doenças.

Como é feito: uma amostra de saliva — que fornece o DNA — é colhida com uma espécie de cotonete na parte de dentro da bochecha.

Onde é disponibilizado: em centros de referência de doenças raras e para venda direta. Não é coberto pela maioria dos planos.

O que apura: são 287 distúrbios, entre doenças raras, imunológicas, hematológicas e alguns tipos de câncer.

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É para toda criança: a princípio, sim, mas alguns especialistas indicam só em caso de suspeita ou histórico familiar de risco.

Teste do olhinho

Integrante da triagem neonatal, consiste no uso de uma lanterna pelo médico para visualizar alterações nos globos oculares da criança, indícios de doenças sérias como catarata congênita e o retinoblastoma, um câncer raro que acomete o olho.

Onde é feito: nas maternidades.

Quando: nas primeiras 48 horas de vida do bebê, sendo repetido durante a infância.

Como: o médico aponta uma lanterna para o olho do bebê. A luz deve refletir um tom perfeitamente vermelho.

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Teste da orelhinha

O objetivo aqui é avaliar a resposta do ouvido interno do bebê aos sons. Simples, o teste é feito enquanto o pequeno está dormindo e flagra deficiências auditivas congênitas antes que elas prejudiquem seu desenvolvimento.

Onde é feito: Nas maternidades ou Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Quando: nos primeiros dois dias de vida.

Como: uma sonda com um minúsculo microfone é introduzida na orelha do bebê.

Teste do coraçãozinho

Mede a saturação do oxigênio nas extremidades do corpo em busca de discrepâncias entre elas. Esse dado ajuda a identificar irregularidades na circulação e doenças cardíacas silenciosas, que podem levar o bebê a óbito após a alta do hospital.

Onde é feito: nas maternidades.

Quando: também nas primeiras 48 horas de vida.

Como: um oxímetro — espécie de pulseirinha com um visor — é colocado na mão direita e no pé do bebê.

Teste da linguinha

Ele verifica a existência de problemas no freio da língua, que, se não forem corrigidos, podem atrapalhar a amamentação. É obrigatório por lei no país, embora alguns pediatras questionem o exato custo/benefício de seguir o protocolo oficial em vez de uma avaliação mais básica.

Onde é feito: nas maternidades.

Quando: novamente, nos primeiros dois dias do bebê.

Como: com as mãos, o profissional pressiona e movimenta o freio da língua, notando eventuais falhas.

Teste do pezinho

Marco da saúde pública, é obrigatório nas maternidades públicas e privadas do país desde 2001. Detecta problemas causados por erros inatos do metabolismo que podem ter consequências sérias para a criança no início da vida, como morte ou deficiências mentais. É o caso de fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, fibrose cística… O teste gratuito do SUS pega seis doenças. Mas há versões estendidas e pagas, que rastreiam dezenas delas.

Onde é feito: hospitais e maternidades da rede pública e privada e UBS.

Quando: entre o terceiro e o quinto dia de vida.

Como: é feito um furinho no calcanhar do recém-nascido, de onde se extrai uma gota de sangue.

FONTES: Sonia Hadachi, bioquímica supervisora do Laboratório do Instituto Jô Clemente, antiga Apae de São Paulo; Patricia Pinheiro de Almeida, fonoaudióloga do Hospital e Maternidade Santa Joana (SP); Lilian Sadeck, médica do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)

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