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A indústria de alimentos não quer matar você

Engenheira de alimentos reflete sobre os pilares e as novas atribuições das empresas que formulam e fabricam a nossa comida

Por Dra. Tatiana Raposo Pires*
Atualizado em 22 Maio 2017, 16h23 - Publicado em 22 Maio 2017, 12h28

Quando terminei a faculdade de Engenharia de Alimentos, há quase 20 anos, o foco da carreira era a segurança alimentar. O papel do profissional era buscar reproduzir, para a prateleira do supermercado, a deliciosa feijoada da casa da vovó com segurança — e garantindo a maior durabilidade possível. Nutrição era isso: consumir algo que faz parte da nossa cultura.

Mas parece que as coisas mudaram.

A mídia e as novas mídias (blogs, vlogs e redes sociais) têm dedicado muito do seu tempo falando sobre o “bem” e o “mal” quando se trata de alimentos industrializados — às vezes fazendo uso de termos e noções equivocados. Ao mesmo tempo, nunca se falou tanto em gastronomia e alimentação saudável. Cozinhar virou algo “cool” e, de repente, todo mundo virou especialista em nutrição.

No entanto, existem alguns conceitos que aprendemos durante as aulas, aplicamos em nosso trabalho e, como professores, seguimos ensinando aos alunos e futuros profissionais, que frequentemente são deturpados por aí.

Para começo de conversa, alimentos processados ou industrializados não são ruins.

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Estudar ciência dos alimentos é divertido — e também uma delícia. O que aprendemos na faculdade nos capacita a atuar em diversas áreas da indústria. Alguns engenheiros optam por trabalhar no desenvolvimento de produtos. Outros, com garantia de qualidade. Alguns preferem fazer pesquisa em empresas ou universidades. Um grupo, por sua vez, se encaminha para a área regulatória e de relações governamentais, trabalhando em órgãos como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou a FDA (entidade correspondente nos Estados Unidos), ou zelando em outras instâncias para que os produtos fabricados estejam em conformidade com as normas estabelecidas.

Somos os responsáveis por garantir que o alimento industrializado que chega aos consumidores seja seguro e de alta qualidade — sem deixar de ser gostoso! Sim, também está no nosso rol de funções desenvolver aromas e texturas deliciosas.

As pessoas em geral associam a expressão “alimentos processados” a refeições de micro-ondas ou fast food. Ou seja, tudo o que configura o junk food, comida calórica e da pior qualidade nutricional. Entretanto, a real definição de alimento processado é diferente: o termo significa simplesmente que um alimento sofreu uma modificação em alguma etapa do processo que o levará ao consumidor.

Quando uma cenoura é lavada e embalada, ela passa a ser alimento processado. Um suco de laranja sem conservantes, ao sofrer o processo térmico chamado pasteurização (essencial para aumentar sua segurança e tempo de prateleira), é alimento processado. Qualquer item que foi alterado pela indústria ganha essa nomenclatura. Até um tomate simplesmente embalado.

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O processamento de alimentos é importantíssimo. Sem ele, não teríamos grãos selecionados, leite pasteurizado e produtos devidamente higienizados e embalados. Não teríamos, em essência, produtos seguros. É claro que precisamos reconhecer que nem todos os ingredientes presentes nos alimentos industrializados levam a benefícios à saúde. Isso não quer dizer, por outro lado, que façam mal. Tantas vezes, tudo depende da forma e da quantidade consumida.

Ah, faltou falar um pouquinho sobre conveniência. Eu simplesmente amo cozinhar. Mas não todos os dias. Essa é a parte bacana do alimento industrializado: ele traz alternativas convenientes para o consumidor, frequentemente assolado por uma rotina atribulada.

Pode ter certeza: ninguém está tentando matar você. A indústria de alimentos precisa dos consumidores. E posso garantir que a indústria quer que os consumidores vivam bastante, inclusive para continuar comprando e ingerindo seus alimentos. É difícil falar dessa forma, mas é a pura verdade. Sem hipocrisia.

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Tudo o que a indústria quer é agradar ao consumidor e é por isso que investimos (muito!) em pesquisas. E se nós, como consumidores, queremos alimentos mais saudáveis, não tenha dúvida que a indústria irá investir seus recursos para obtê-los. Até porque pessoas doentes não serão consumidores.

Também precisamos esclarecer alguns pontos sobre os aditivos alimentares: é muito, mas muito difícil acrescentar nada à fórmula dos alimentos e eles continuarem seguros. A agências reguladoras (a Anvisa, a FDA…) regulam essa classe de substâncias, assim como os corantes.

Os aditivos são estudados em relação à sua segurança durante anos e os limites para cada grupo alimentar são estabelecidos por esses órgãos. Tenha em mente que alguns desses aditivos são, inclusive, vitaminas, com ação antioxidante nos alimentos. É o caso do ácido ascórbico, a vitamina C, presente na natureza em frutas cítricas e na acerola, e do alfa-tocoferol, a vitamina E, encontrada naturalmente na soja e em castanhas.

A pergunta que vem à tona é: por que uma empresa adicionaria substâncias que não são permitidas ou nem mesmo necessárias? Não faz sentido. Até porque isso representaria um custo adicional.

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Tem outra questão que devemos esclarecer. Engenheiro de alimentos não é a mesma coisa que nutricionista. O primeiro se preocupa com a comida em si; o segundo, com o que você come.

Isso não significa que a indústria de alimentos não se importe se determinado produto é ou não saudável. Pelo contrário: assim como eu, tenho certeza que vários outros profissionais acreditam fortemente nos princípios de uma alimentação balanceada e optam por atuar em empresas que estejam alinhadas com esses valores. Repito: não há alimentos bons ou maus. Não consigo pensar no brigadeiro da minha mãe como algo ruim, uma vez que a receita não comporta só um teor nutricional. Ela vem com uma enorme dose de carinho.

Contudo, não é segredo para ninguém que a indústria fabrica produtos que não são essencialmente saudáveis. Mas, embora alguns alimentos não apresentem um valor nutritivo razoável, cabe aos consumidores decidirem se irão escolhê-los ou não. O fato de existir ampla oferta de alimentos saborosos e não necessariamente saudáveis não significa que você deva comer tais itens todos os dias.

A indústria de alimentos tem outra atribuição fundamental: pensar e desenvolver produtos para fins especiais. Entram na categoria os chamados alimentos enterais, aqueles formulados para pacientes internados se alimentarem por sondas. Também entram nesse rol as fórmulas infantis destinadas a bebês que, por algum motivo, não podem mamar no peito. Tenho orgulho de uma profissão que traz alternativas de alimentos seguros para toda a sociedade, cobrindo diversas faixas etárias.

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Por fim, vale ressaltar que é um engano pensar que a comidinha caseira sempre é mais saudável que a versão industrializada. Nossas deliciosas receitas feitas no lar podem vir cheias de sal, açúcar, gordura… Tanto o alimento preparado em casa quanto o concebido pela indústria pode ser mais ou menos nutritivo. Quem escolhe é você.

Quando escolhi estudar engenharia de alimentos, tinha o sonho de acabar com a fome e a desnutrição no mundo. Sim, usar a tecnologia para produzir alimentos mais baratos e duráveis, a fim de que toda a população tivesse acesso a eles. Confesso que, naquele momento, nem pensava em produtos realmente saudáveis. Pensava simplesmente em prover alimentos.

Continuo acreditando no avanço tecnológico e no desenvolvimento de ingredientes para garantir alimentos seguros, gostosos e, sem dúvida, mais nutritivos. A indústria está investindo cada vez mais para se alinhar às necessidades e vontades dos consumidores. Sem o consumidor, a indústria não existe. E é por isso que trabalhamos e queremos que ele viva com saúde durante muitos e muitos anos.

* Dra. Tatiana Raposo Pires é engenheira de alimentos, mestre e doutora em Ciência dos Alimentos e presidente da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais e Congêneres (Abiad)

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