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Viver para trabalhar ou trabalhar para viver?

A Covid-19 faz muita gente trocar o ambiente corporativo pelo domiciliar. Saiba os ajustes para tornar home office e relação com o emprego mais saudáveis

Por André Bernardo
10 abr 2020, 11h23

Nas últimas semanas, uma expressão de origem inglesa entrou para o vocabulário e a rotina de milhões de brasileiros: home office. Ao pé da letra, significa “escritório em casa”, modelo de trabalho a distância praticado por 1 bilhão de pessoas no mundo inteiro. Só no Brasil, segundo dados de 2018 do IBGE, 3,8 milhões de trabalhadores — 5,2% da população economicamente ativa — já trocaram o ambiente corporativo pelo domiciliar. Parece pouco, mas representa um salto de 44% em relação a 2012.

Como estratégia de isolamento social, milhares de empresas adotaram o trabalho remoto. Mas será que labutar em casa, com conforto e perto da família, seria mais saudável e produtivo? A resposta é: depende… Do perfil do trabalhador e das condições de trabalho. “O home office pode ser tão nocivo à saúde quanto o ambiente corporativo”, adianta a advogada Milva Pagano, da Associação Brasileira dos Profissionais de RH (ABPRH). “Se o indivíduo não tiver uma rotina de trabalho e um ambiente adequado, vai sofrer de ansiedade porque não conseguirá cumprir as tarefas no prazo.”

Organizar melhor os horários, não perder tempo no trânsito, levar os filhos ao colégio… Quem nunca imaginou trabalhar de casa antes da Covid-19, não é mesmo? Por essas e outras, o home office já era o sonho de 49% dos brasileiros, segundo a pesquisa “Hábitos do Trabalho”, feita pelo Instituto Ipsos em parceria com a empresa Alelo em 2019. Para 97% dos 1 518 entrevistados, o trabalho remoto é positivo porque proporciona mais conforto (58%), permite maior qualidade de vida (54%) e estimula a produtividade (53%).

Segundo outra pesquisa, encomendada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 2017, o percentual dos que gostariam de trabalhar em casa ou qualquer outro lugar que não seja a empresa — um espaço compartilhado de trabalho, o co-working, por exemplo — é ainda maior, 81%. Mas dá pra dizer que todo mundo tem aptidão para isso? Ou a modalidade requer alguns pré-requisitos, como foco, disciplina e organização? E as empresas, como elas se preparam para uma tendência que deve explodir durante e após a pandemia do novo coronavírus?

Para começo de conversa, quem nunca aderiu ao home office antes tem de mudar o mindset para que as atividades rendam e os limites não sejam ultrapassados. “Para uns, o ambiente corporativo é tóxico e o home office, a solução. Para outros, é o contrário. Mas, se o problema está no lado do empregado, o trabalho será tóxico independentemente do local”, analisa Luís Otávio Camargo Pinto, presidente da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatendimento (Sobratt).

Faz algumas décadas que o escritor gaúcho Luis Fernando Verissimo trocou as redações dos jornais por sua casa em Porto Alegre: “Uma ‘toca’ à prova de distrações”, como ele mesmo define. “No meu caso, a ‘home’ e o ‘office’ são a mesma coisa. Ou a ‘home’ é o ‘office’ com cozinha e cama”, faz graça, em entrevista recente. Verissimo não é o único.

Na crônica Nada Será Como Antes, o jornalista Nelson Motta aponta o home office como um dos efeitos colaterais positivos da luta contra o coronavírus. “O Brasil precisou de uma pandemia para aceitar que o home office é mais inteligente, econômico e eficiente”, escreveu. “Mas cuidado: o trabalho em casa exige mais (auto)disciplina e responsabilidade. E com crianças de férias fica complicado”, adverte.

Trabalhar em casa ou morar no escritório, tanto faz. O importante é tomar alguns cuidados para o home office não virar uma dor de cabeça a mais na quarentena — e você se pegar dizendo “Não estou rendendo nada”, “Não paro de trabalhar” etc. Um dos conselhos dos experts é buscar adaptar, em casa, a rotina do escritório. Acordou? Lave o rosto, tome café, troque de roupa (trabalhar de pijama nem pensar!) e aja como se estivesse no emprego. Mais: tem que ter horário para almoçar e encerrar os afazeres do dia.

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“Se o sujeito interrompe suas tarefas a todo momento para ler jornal, ver TV ou fazer um lanche, o expediente acaba e ele não faz tudo o que tinha para fazer”, sinaliza o médico do trabalho Eduardo Bahia Santiago, da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV). “É fundamental evitar distrações”, arremata.

Sem disciplina e organização, os profissionais em home office correm muito o risco de trabalhar mais em casa do que no escritório. Pior: dormindo até tarde, pulando refeições ou varando a madrugada. A recomendação de distanciamento social não deve ser desculpa, inclusive, para abolir a atividade física da agenda.

Conservar hábitos saudáveis, como praticar exercícios e fazer pausas pontuais ao longo do dia, continua bem-vindo. Afinal, com a geladeira logo ali, a poucos passos do computador, todo cuidado é pouco.

A sacada para se manter ativo está em estabelecer horário para o treino ou a aula de ioga, por exemplo. Antes ou depois do expediente, e não durante, que fique claro. “Não dá para ir à academia? Faça ginástica em casa. Não tem halteres? Use saco de feijão. O importante é exercitar o corpo. O corpo é como a água. Parada, apodrece”, orienta a médica do trabalho Nadja de Sousa Ferreira, diretora da Associação Brasileira de Medicina do Trabalho (ABMT).

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Outro desafio é não confundir distanciamento social com isolamento corporativo. Quem afirma é o médico Laerte Sznelwar, doutor em ergonomia pelo Conservatório Nacional de Artes e Ofícios de Paris. “Trabalhar com outras pessoas é uma grande forma de socialização. Desde os primórdios, se não tivéssemos cooperado uns com os outros, não teríamos sobrevivido. Em tempos de quarentena, mantenha-se conectado para tirar dúvidas ou construir soluções. O mais importante é não se isolar”, sugere.

Nos casos em que o indivíduo divide a casa com a família ou amigos, é indicado compartilhar regras claras de convivência. “O home office deixou de ser uma possibilidade e se tornou uma necessidade. Daí que o trabalhador precisa fazer um pacto com as pessoas que moram com ele para respeitar horários e espaços uns dos outros”, orienta Milva, da ABPRH.

(Ilustração: Marcus Penna/SAÚDE é Vital)

Durante a pandemia, o trabalho em casa também exige o reforço em alguns cuidados, como a limpeza dos eletrônicos e do ambiente doméstico. Estudos apontam que o celular é tão sujo quanto a sola do sapato e o teclado pode ter tantos germes quanto a tampa da privada.

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Não se esqueça da higienização com álcool ou produtos próprios. No caso do notebook, você precisa de escova de dentes (para limpar entre as teclas), secador de cabelo (no modo frio, para soprar os resíduos) e álcool isopropílico (para desinfetar). “Alguns vírus e micróbios podem sobreviver no teclado por até uma semana”, avisa o biomédico Roberto Martins Figueiredo, mais conhecido como Dr. Bactéria.

A saúde dentro da empresa

Você se lembra da última vez em que foi ao médico? Se a consulta não foi de rotina, você provavelmente só a agendou porque sentiu algum desconforto, não? No consultório, o doutor investigou seus sintomas, passou alguns exames e detectou o problema. Feito o diagnóstico, prescreveu um remédio. Bem, não são apenas as pessoas que adoecem. As empresas também.

Na opinião do psicólogo Márcio Reis Felix de Souza, autor do livro Psicologia Organizacional e do Trabalho, não é difícil detectar um ambiente de trabalho “tóxico”. “São muitos os sintomas. Excesso de trabalho e falta de diálogo são apenas alguns deles”, avisa.

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Para o médico do trabalho Eduardo Bahia Santiago, os principais indicadores de adoecimento e insatisfação são o absenteísmo, quando o funcionário vive faltando ou chegando atrasado, e o presenteísmo, quando ele até comparece, mas não produz o que se espera dele. “Quando esses comportamentos são detectados, é sinal de que o ambiente de trabalho está adoecido. Se isso acontece, os resultados nunca são o que poderiam ser. O passo seguinte é o empregador admitir o problema e procurar tratamento”, aconselha.

Na equação de um trabalho feliz, funcionário e empresa têm um papel a cumprir. Porque, se a relação desanda, a saúde paga o preço: dor crônica, burnout, depressão… Segundo estudos do professor americano Jeffrey Pfeffer, da Universidade Stanford, 120 mil pessoas morrem nos Estados Unidos, todos os anos, vítimas de um trabalho tóxico.

No mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pode chegar a 850 mil. “Expor o indivíduo a falta de estabilidade, a altas demandas de serviço e a pouco controle sobre o trabalho pode ser tão prejudicial quanto os efeitos da exposição passiva ao cigarro”, compara o autor de Morrendo por um Salário.

Quando uma empresa cai doente, aqui ou lá fora, quem receita o remédio? O empregado, o empregador ou o profissional de RH? Todos juntos, defendem os especialistas. “Os gestores esquecem que os trabalhadores precisam participar da construção dos protocolos. Só assim não haverá mais metas inalcançáveis ou prazos irrealistas”, afirma a médica do trabalho Rosylane Rocha, da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).

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Algumas companhias até disponibilizam salas de descompressão, redes de descanso e mesas de pingue-pongue. Mas, segundo a socióloga do trabalho Selma Venco, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essas medidas não passam de paliativos. Elas podem até minimizar os sintomas, mas não atuam na origem da doença.

“De que adianta oferecer massagem se o chefe continua assediando sua equipe?”, indaga. Outras soluções, como redução da jornada de trabalho e respeito à desconexão do funcionário após o fim do expediente, são mais efetivas. “É preciso refletir sobre o que realmente importa: a saúde do trabalhador ou o lucro da empresa?”

A lista dos “remédios” prescritos pelos estudiosos é extensa: home office opcional duas vezes por semana, horários flexíveis de entrada e saída e jornada de trabalho mais curta às sextas-feiras são alguns deles. E, do lado do funcionário, cabe a ele se questionar se, ao procurar outra companhia ou mesmo ramo de atuação, não ficaria mais satisfeito. “O trabalho é absolutamente importante em nossa vida. Mas é o trabalho que faz parte da vida, e não a vida que faz parte do trabalho. É a vida que vem sempre em primeiro lugar”, sentencia Santiago. Eis um conselho que não vai caducar quando a pandemia acabar.

(Ilustração: Marcus Penna/SAÚDE é Vital)
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