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Uma mira precisa contra o câncer

Exames que rastreiam alterações no DNA do tumor – do tumor mesmo, não do paciente – definem qual a melhor arma para cada caso com uma exatidão nunca vista antes

Por Theo Ruprecht
Atualizado em 27 out 2016, 19h26 - Publicado em 19 nov 2015, 12h46

 

“Estamos começando a determinar a terapia contra o câncer com base em suas características íntimas, e não apenas em sua cara.” Essa é a analogia usada pelo biólogo Rui Manuel Vieira Reis, coordenador científico do Centro de Diagnóstico Molecular do Hospital de Câncer de Barretos, no interior paulista, para resumir uma recente quebra de paradigma no combate à doença. Traduzindo: se antes o local de origem do tumor (mama, pulmão, intestino) reinava absoluto na decisão de qual estratégia seguir para enfrentá-lo, hoje os médicos também investigam mudanças no DNA das células malignas. Essa é a revolução da patologia molecular, técnica que, a partir de uma pequena amostra do tecido tumoral, sequencia seu genoma, identificando traços que indicam sua agressividade e alvos específicos para destruí-lo. É como se um general tivesse acesso aos segredos de guerra do inimigo.

A tendência vem causando tanto furor que pesquisadores do Hospital Universitário Charité, na Alemanha, acabam de concluir uma nova revisão sobre o tema passados dois anos de um levantamento similar – e dois anos é um tempo curtíssimo em ciência. Foi necessário atualizar o documento que reúne os progressos da área em virtude do volume de descobertas. “A patologia molecular já traz informações relevantes no manejo de vários cânceres, como o linfoma, o de mama, o de intestino e o melanoma, uma versão mais violenta de tumor de pele”, elenca Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.

Exemplo: no tal melanoma, a análise do DNA de uma fração do tecido doente pode encontrar uma mutação no gene BRAF. “Na presença dela, o remédio vemurafenibe traz uma resposta até duas vezes melhor do que os convencionais”, conta Stephen Stefani, oncologista do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. Agora, se a alteração não existir, de pouco adianta gastar tempo e dinheiro com a droga.

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O avanço da patologia molecular está mexendo inclusive com a maneira como os cientistas estudam os tratamentos. Na americana Universidade Vanderbilt, foi realizado um dos primeiros testes que, em vez de focar na eficiência do fármaco (no caso, o vemurafenibe) contra um câncer de uma parte do corpo, debruçou-se sobre sua capacidade de alvejar tumores de diferentes regiões com a mesma mutação. “Eu acredito que esse será o futuro dos experimentos clínicos”, afirma o oncologista Igor Puzanov, autor do trabalho. Nele, notou-se um potencial interessante do vemurafenibe, prescrito eminentemente para atacar o melanoma, em um subtipo de câncer de pulmão que também possui alterações no gene BRAF.

Por outro lado, o medicamento não surtiu o efeito desejado em tumores de intestino com a mesma mutação. Segundo os experts, isso ocorreu porque certos subgrupos de câncer acumulam outras variações genéticas que interferem no tratamento. “Entender cada uma dessas mudanças e a relação entre elas é a chave para evoluirmos na luta contra a doença”, sentencia o patologista David Klimstra, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, nos Estados Unidos. É possível que, daqui a muitos anos, quando os profissionais conhecerem as consequências de todas as modificações no DNA do tumor e suas múltiplas associações, o órgão acometido seja irrelevante na escolha da terapia. “Na prática clínica atual, porém, o local da doença ainda é um pouco mais importante do que seus genes, o que mostra como a patologia molecular não deve ser usada isoladamente nem de forma irrestrita”, adverte Hoff. Até porque há tumores, como o de pâncreas, em que ainda não foram flagrados traços moleculares para os quais exista um tratamento. Do ponto de vista do paciente, de que adianta ter um alvo sem uma bomba que o detone?

À caça dos primeiros passos

Há uma perspectiva real de, no futuro, a medicina lançar mão da patologia molecular inclusive para detectar um tumor em estágio incipiente e sem avaliações invasivas ou demoradas. “A ideia é captar, em uma gota de sangue, fragmentos do DNA das primeiras células malignas, que não são visíveis em outros exames”, projeta a patologista Renata Coudry, coordenadora médica do Laboratório de Anatomia Patológica do Sírio-Libanês. A essa proposta se dá o nome de biópsia líquida – e ela até já é utilizada para checar, por exemplo, se um câncer de pulmão tem alto risco de desenvolver resistência ao tratamento.

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Contudo, para pegar o oponente em fase inicial com um exame de sangue, é preciso conhecer melhor quais pedaços do genoma tumoral são despejados na circulação desde o princípio. E também de uma tecnologia ainda mais certeira, capaz de identificar, com uma margem de erro mínima, essas moléculas dedo-duro em meio a milhões de células saudáveis. Como comparação, hoje existe um teste genético similar que revela o sexo do bebê no comecinho da gestação. “Mas, se ele falhar, os pais só precisarão repintar o quarto da criança”, brinca Hoff. “No contexto do câncer, um engano gera consequências desastrosas”, conclui. Não há avanço da ciência que seja mais essencial do que a confiança para tomar uma decisão correta.

Vai pesar no bolso da sociedade?

O gasto para oferecer a patologia molecular no sistema público – e mesmo no privado – de fato não é pequeno. Hoje, cada avaliação dessas não sai por menos de 3 mil reais. No entanto, temos de considerar possíveis economias geradas pelo método. Há, por exemplo, drogas que custam 60 mil reais por mês e que simplesmente não funcionam em algumas situações. A patologia molecular consegue antever esse fracasso e, assim, evitar custos desnecessários.

Perfil detalhado do inimigo

As principais informações que os oncologistas de hoje têm em mãos para definir a melhor estratégia contra um câncer

Local de origem

O que acrescenta: dá uma boa ideia de qual arma usar. Se o tumor se espalhou, indica agressividade.

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Como se define: exames clínicos, de sangue ou de imagem.

Tamanho do câncer

O que acrescenta: ajuda a identificar o estágio da doença e o melhor tratamento.

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Como se define: exames clínicos e de imagem.

Formato da célula

O que acrescenta: a aparência da célula maligna dá pistas sobre a hostilidade do câncer.

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Como se define: análise morfológica (com microscópio).

 

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