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Exames para diagnosticar o câncer que salvam vidas

Flagrar um tumor em estágio inicial é decisivo para ter sucesso no tratamento. Entenda quando os testes merecem entrar em cena

Por André Biernath
Atualizado em 5 set 2019, 19h11 - Publicado em 25 Maio 2016, 13h47

Georgios Papanicolaou (1883-1962) era um péssimo vendedor de tapetes no centro de Nova York. Médico formado na Grécia, ele emigrou para os Estados Unidos em 1913. Após alguns meses e poucas oportunidades, o jovem doutor recebeu uma carta que mudou sua vida: tinha sido admitido como pesquisador da Universidade Cornell. Sua missão no laboratório era estudar o ciclo menstrual de porquinhas-da-índia. Foi lá que o cientista aprendeu a coletar e observar as células do útero das cobaias. Nos anos seguintes, ele expandiu a experiência para mulheres e percebeu que a análise do material obtido era capaz de indicar a presença de unidades defeituosas, o embrião de um tumor maligno. Surgia, assim, o papanicolau, teste empregado até hoje para flagrar a doença no colo uterino e o primeiro método de rastreamento frente ao câncer.

Papanicolaou, e a técnica que leva seu nome, inaugurava uma nova fase na oncologia: a chamada prevenção secundária. “Ela envolve a realização desse e de outros exames, como a mamografia e a colonoscopia, em um grande número de pessoas saudáveis, com o objetivo de revelar um câncer numa fase precoce”, resume Paulo Hoff, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Tal checkup, normalmente anual, é um complemento à prevenção primária, ou seja, a adoção de hábitos que minimizam o risco de um tumor aparecer – como praticar exercícios, comer direito e não fumar.

Mas o que justifica fazer um teste em sujeitos sem queixas e aparentemente numa boa? Primeira razão: a doença costuma ser silenciosa, mal ou nunca dá sintomas no início. “Em segundo lugar, a detecção precoce faz subir a chance de cura”, diz o radio-oncologista Rubens Chojniak, do A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista. As estatísticas falam por si: 90% das mulheres com câncer de mama inicial sobrevivem, ante 15% daquelas que o descobrem em fase avançada. Dados similares figuram entre os tumores de próstata, intestino, pulmão… Ao longo da matéria, confira nos destaques as indicações para diferentes tipos.

Apesar de as vantagens do diagnóstico precoce parecerem incontestáveis, exames de rotina para surpreender o câncer são motivo de uma controvérsia entre experts em saúde pública. Um artigo recente do periódico British Medical Journal causou polêmica ao criticar os esquemas de rastreamento atuais. O texto manifesta a ideia de que não é possível cravar que esses checkups salvam mesmo vidas. “Não existem provas claras de que eles melhorem os números da mortalidade por câncer”, diz o oncologista Vinay Prasad, um dos autores do documento. Professor da Universidade de Saúde e Ciências de Oregon, nos Estados Unidos, ele acredita que seria mais sensato procurar o médico e passar por testes quando pintar algo errado.

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O mesmo artigo ainda chama a atenção para os perigos em potencial do rastreamento. “O povo precisa estar ciente de que existem riscos, como a exposição a muita radiação ou casos de falso positivo, quando o resultado conclui de forma equivocada a presença de um tumor, o que tem um impacto psicológico”, diz o médico Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica. Não é à toa que, antes de serem liberados, os métodos de detecção passam por estudos envolvendo milhares de pessoas. Só assim é possível atestar que os ganhos de descobrir o problema mais cedo superam possíveis danos da maratona de exames.

A tecnologia evoluiu tanto que atualmente se avistam massas cancerosas cada vez menores e mais escondidas. “Daí, às vezes se trata de maneira contundente um tumor que talvez nem se desenvolveria”, conta Chojniak. Isso significa submeter alguém saudável a cirurgias ou a doses pesadas de quimio e radioterapia. Buscando uma abordagem mais racional, hoje especialistas já acompanham a progressão de alguns tipos de câncer, como o de próstata, sem iniciar, de fato, o contra-ataque terapêutico. “Estamos conseguindo avaliar cada caso e adaptar a recomendação segundo o perfil do paciente e a agressividade da doença”, destaca Chojniak.

A tendência atual é individualizar as recomendações de rastreamento e restringir a prescrição dos exames a um grupo específico de pacientes, que apresentam uma probabilidade elevada de propagação da doença. É o caso, por exemplo, da tomografia anual para o câncer de pulmão, indicada a fumantes com mais de 55 anos, ou a avaliação da próstata, que começa cedo em afrodescendentes, etnia com incidência elevada da enfermidade. “Essa racionalização é essencial a fim de minimizar os danos à população e alocar os recursos financeiros de forma eficiente”, analisa Hoff.

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Embora se fale muito sobre a idade inicial para a rotina de testes, ainda não está claro quando eles deveriam parar de ser indicados. “Nos mais velhos, são diagnosticados tumores de crescimento lento, em que aumenta o risco de morrer por outras causas, como infarto ou derrame”, explica o epidemiologista Arn Migowski, da Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede do Inca. Ou seja: o sujeito não teria sintomas e morreria com o tumor, mas não em decorrência dele. Geralmente, os especialistas ponderam a situação e, se concluírem que a expectativa de vida da pessoa é inferior a dez anos, não há sentido em continuar pedindo mamografia e companhia ilimitada.

O ideal é que médico e paciente compartilhem impressões e decidam, juntos, quando e como fazer o checkup. “Até porque o exame é apenas um pedaço de papel que não trata ninguém”, diz Fernandes. É preciso colocar na balança histórico familiar, fatores de risco e as vantagens e desvantagens de um eventual tratamento de acordo com a situação. “A chave está em criar um vínculo com o paciente e, a partir daí, estabelecer um programa de cuidados com a saúde, que pode incluir um rastreamento”, completa. Desde a invenção do grego Papanicolaou, a mira para flagrar o câncer ficou, sem dúvida, mais certeira. Mas é o uso consciente dessa arma (e a escolha dos alvos) que tornará a guerra contra o câncer mais inteligente e efetiva.

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