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Dieta low carb: vale a pena?

Investir em um cardápio low carb para emagrecer voltou à moda com tudo. A estratégia até funciona, mas não é unanimidade entre os experts

Por Thaís Manarini
Atualizado em 6 abr 2020, 10h59 - Publicado em 18 mar 2018, 12h00

Já se vão quase 50 anos desde que o médico americano Robert Atkins (1930-2003) lançou sua famosa dieta, caracterizada pela eliminação brutal de carboidratos (arroz, pães, massas…) e por uma maior permissividade em relação às gorduras. De lá pra cá, cardápios similares ficaram à espreita do prato, ora alcançando popularidade, ora caindo em desuso. A onda da vez, queridinha entre quem quer emagrecer sem demora, é conhecida como low carb, termo em inglês para cardápio com pouco carboidrato. Segundo o Google, principal site de buscas na internet, ela foi a dieta mais procurada em 2017 pelos brasileiros, com um crescimento de 986% em relação a 2016.

Nem precisa gastar seu tempo vasculhando quanto carboidrato é permitido nesse modelo alimentar. Não há consenso quanto a isso – o que dificulta, do ponto de vista científico, chegar a conclusões sobre o método. Em geral, fala-se em um consumo de 20 a 40% do nutriente em relação às calorias ingeridas em um dia, ou algo em torno de 50 a 100 gramas. Em uma dieta tradicional, suas fontes devem representar de 55 a 65% das calorias diárias. É uma baixa considerável.

Na ponta do lápis

Dieta tradicional
Indica-se que de 55 a 65% das calorias consumidas diariamente sejam de fontes de carboidratos.

Dieta low carb
De todas as calorias ingeridas no dia, só de 20 a 40% deveriam vir do famigerado nutriente.

Mas, mais do que bitolar na quantidade, a low carb propõe foco no tipo de alimento escolhido para suprir essa demanda. As pessoas são incentivadas a obter os carboidratos a partir de legumes e verduras. Já grãos, cereais, farináceos, algumas frutas e tudo que leva açúcar saem de cena por causa do alto teor da substância. Para ter ideia, é preciso dar adeus ao pão do café da manhã e ao arroz com feijão do almoço. No outro lado da balança, o que sobe é a ingestão de redutos de gorduras e proteínas.

Não é difícil explicar por que esse cardápio causou frisson entre quem está preocupado com as dobras na cintura. “Sabemos que as dietas low carb levam a uma perda de peso rápida”, informa o endocrinologista Bruno Halpern, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. Só que esse fato, tão apreciado pelo público, não é animador para parte dos especialistas na área. Na visão de Halpern, como as fontes de proteínas e gorduras saciam bastante, as pessoas passam a comer menos – daí emagrecem mesmo. O dilema é que, segundo ele, essas dietas restritivas são menos efetivas com o tempo. Lá vem efeito sanfona

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Para Antonio Herbert Lancha Jr., professor titular de nutrição da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP), até o emagrecimento ligeiro merece vista grossa. Isso porque a queda súbita no número que a balança exibe não significaria necessariamente uma queima de gordura. Calma que a gente explica o mistério.

Low carb e emagrecimento

O carboidrato é um dos elementos que determinam a presença de água dentro de nossas células. Portanto, quando o nutriente está em falta, o líquido vai embora. “As pessoas acham que a variação do peso vem da eliminação de gordura. Mas, na realidade, elas só perderam água”, esclarece Lancha Jr., que também é autor do livro O Fim das Dietas (Editora Abril). Pior: de acordo com experimentos do professor, nesse bolo a massa magra também vai para o espaço. E os músculos são justamente nossos maiores torradores de energia e gordura corporal.

O endocrinologista Pedro Assed, do Rio de Janeiro, concorda que é válido colocar essas questões em pauta. Afinal, desidratar ou ver a musculatura minguar não é nada desejável, apesar de o peso parecer adequado. “Nesses casos, é necessário um plano para reverter a situação. E ele envolve ajustes na dieta e em outros hábitos, como o tempo de sono e jejum“, descreve o médico.

Então, o problema não estaria na low carb em si, mas no fato de ela ser realizada sem acompanhamento. Segundo o nutrólogo e neurologista Rafael Higashi, diretor da clínica Higashi, no Rio de Janeiro, caso o profissional não tenha aparelhos para verificar a taxa de gordura do paciente – como o de bioimpedância -, pode medir braço, panturrilha e força muscular. “Se houver perda em 30 dias, há algo errado”, avisa.

De qualquer forma, em termos de perda de peso, não é pra esperar milagres. Há evidências de que tanto faz investir na low carb ou em uma dieta baseada na redução de gorduras ou de calorias. “Uma das premissas para o emagrecimento é gastar mais do que consumir”, resume a nutricionista Ana Beatriz Barrella, da RG Nutri, na capital paulista. Ao revisar vários estudos publicados de 2005 a 2016 sobre todas essas estratégias, pesquisadores da Clínica Mayo, nos Estados Unidos, concluíram que a perda de peso advinda da low carb seria insignificativamente maior – coisa de 1 a 2 quilos.

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Os cientistas salientaram ainda que só é possível garantir a segurança do método por seis meses, já que a maioria das experiências é de curto prazo. Fora isso, informam que, nos trabalhos, não dá para identificar a qualidade das fontes de proteínas e gorduras colocadas no prato.

Portanto, é altamente contraindicado consultar o vizinho ou a internet na hora de montar o cardápio. Há quem interprete, por exemplo, que tudo bem comer, dia após dia, bacon, picanha, salsicha e frango com pele frito na banha de porco. Lembre-se: os impactos negativos vão além do peso.

Ao carregar a mão na gordura animal, por exemplo, as consequências não são nada agradáveis. “Esse hábito pode chegar a dobrar o colesterol total, a triplicar o colesterol LDL e a reduzir pela metade o HDL“, alerta a nutricionista Nágila Damasceno, pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP e membro da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Caso tenha se perdido nas siglas, a gente explica: enquanto o colesterol LDL deposita gordura nas artérias, o HDL a tira de circulação. Entendeu o enrosco?

De acordo com a nutricionista clínica Isabella Vorccaro, da capital paulista, para minimizar qualquer ameaça, o ideal é privilegiar itens como azeite, abacate, coco, castanhas e sementes, ricos em gorduras insaturadas, reconhecidamente mais benéficas. “Eles geram saciedade e, ao mesmo tempo, ofertam vitaminas, minerais e fibras“, esclarece.

Escrito nos hormônios

Para os defensores da low carb, não é surpresa que outras estratégias – como simplesmente reduzir o tamanho das porções de comida – emagreçam na mesma magnitude. Mas a alegação para coibir o carboidrato não para por aí. “O consumo exagerado desse nutriente leva a uma superestimulação do pâncreas, com maior produção de insulina”, aponta Isabella.

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E o excesso desse hormônio é ligado a um maior risco de engordar e ficar diabético. Fora isso, o açúcar derivado do carboidrato contribuiria com processos inflamatórios, situação que patrocina muitas doenças.

Que ter insulina aos montes na circulação não é bacana, ninguém discorda. Mas, para quem não é tão fã da low carb, outras questões merecem debate. Para começar, a produção do hormônio não é incitada apenas pela glicose derivada dos carboidratos.

“Algumas proteínas e gorduras também estimulam esse processo”, explica a nutricionista Bruna Reis, do Conselho Regional de Nutricionistas – 3ª Região (CRN-3). Logo, ignorar o arroz do bufê e cair de boca na fraldinha não garantem folga ao pâncreas – a produção de insulina também será instigada.

Nágila, da Socesp, frisa que o hormônio faz parte de um metabolismo saudável, já que abre as portas para glicose, proteínas e gorduras entrarem nos tecidos. “Essa história só se torna perigosa se comemos em excesso”, avisa a nutricionista.

Nesse contexto, o pâncreas produz tanta insulina que, para se proteger, os tecidos se fecham. Ocorre, assim, um aumento do hormônio circulante e uma maior resistência à sua ação. E, se a insulina não atua direito, de fato sobra açúcar no sangue, um estopim para encrencas. “Mas isso se dá mais pelo abuso do todo”, reitera Nágila.

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Lancha Jr. também defende que é maldade colocar a oscilação de insulina só nas costas dos carboidratos. “Vamos supor que 90% de sua dieta venha de pão. Só que você consumirá tudo isso com um caminhão de alface. Pronto: o índice glicêmico já é compensado, assim como a liberação de insulina”, raciocina. O exemplo é surreal, claro, mas ilustra como o pico de açúcar no sangue depende bastante do que agregamos à refeição.

Tem outro ponto: o que conta pra valer são quantidade e tipos de carboidratos escolhidos. Todos os especialistas concordam que exageramos em alimentos que fazem a glicose e a insulina dispararem – arroz e massas refinadas, sobremesas e refrigerantes são exemplos. Só que, em vez de ir para o extremo (a low carb), o pulo do gato seria maneirar e substituir esses itens por versões boas do nutriente, como arroz e massas integrais, grãos, cereais e frutas.

É que elas são lotadas de fibras, substâncias que freiam a subida da glicose no sangue. “Isso, por si só, já altera o padrão de produção da insulina”, reforça o biólogo e nutricionista Geraldo Thedei, da Universidade de Uberaba (MG).

Há mais argumentos favoráveis às trocas, e não ao corte radical. “Alguns estudos demonstram que a dieta restrita em carboidratos, especialmente nesses ricos em fibras, modificam a diversidade de bactérias no intestino, o que predisporia a problemas inflamatórios, como alergias e doenças autoimunes”, diz Bruna.

Agora, para quem já recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 2, a low carb pode até ser uma saída para domar a glicemia. O pesquisador Grant Brinkworth, da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation, na Austrália, viu essa faceta da dieta de perto. Em experiência com 115 diabéticos, metade seguiu uma alimentação com baixo teor de carboidratos (14% das necessidades calóricas diárias), enquanto outra parte focou na redução de gorduras. “Embora os dois grupos tenham perdido peso de forma similar, quem aderiu à low carb conseguiu controlar melhor a doença”, revela Brinkworth.

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A nutricionista Maristela Strufaldi, da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), confirma que alguns pacientes se beneficiam bastante do método – quando bem-feito e individualizado. Contudo, ressalta que tanto a SBD como as organizações internacionais que atuam com esse público priorizam um cenário de equilíbrio nutricional, em que há, sim, espaço para os carboidratos. “Evitar o terrorismo nutricional é essencial para a adesão ao tratamento”, defende.

Caso você tenha chegado até aqui sem a certeza se a low carb é um bom investimento, tranquilo. No fim das contas, o melhor padrão alimentar é aquele factível de ser seguido. “E isso depende do perfil do paciente”, pondera Assed. O crucial é não embarcar em modismos sem a orientação de um profissional. Ele consegue avaliar, de forma global, se a dieta está valendo a pena. O primeiro erro é deixar isso só a critério da balança.

Cetogênica é outra coisa

Esse estilo de dieta é uma versão bem mais radical da low carb. Em geral, o consumo de carboidratos não passa de 10%. Já o de gordura chega a incríveis 90%. Nágila Damasceno avisa que tal cardápio só vale para situações muito específicas, como quadros de epilepsia que não respondem a remédios.

Mas tem gente que anda recorrendo à dieta cetogênica para secar a barriga. Na visão de Geraldo Thedei, da Universidade de Uberaba (MG), é um verdadeiro disparate. “Há produção elevada de substâncias que mudam o pH do sangue. Isso traz riscos para o organismo”, alerta. Para completar, o menu é pobre em vitaminas, minerais, fibras… “Trata-se de uma deseducação alimentar”, crava Thedei.

Tem que malhar

Caso escute por aí que a low carb ajudou fulano a emagrecer 30, 40, 50 quilos sem atividade física, saiba: não há vantagem alguma nisso. “Exercício nunca é dispensável”, declara a nutricionista Isabella Vorccaro. “Inclusive, é um dos pilares da saúde”, acrescenta. Ocorre que, ao cortar os carboidratos, muita gente sente uma indisposição tremenda. Normal, pois o nutriente nos fornece energia. A solução, porém, não é parar de se mexer. Nem se entupir de cafeína. “Ela não produz energia. Só disfarça a fadiga”, aponta Gabriela Parise, nutricionista da RG Nutri. Fora que pegar pesado nos estimulantes pode acarretar danos depois.

O QUE PODE COMER

Os grupos alimentares abaixo dão uma ideia do que é o padrão low carb na prática

Café
Sem açúcar, tá? Chás e água com limão podem também.

Laticínios
Iogurte natural, ricota e cottage são opções.

Azeite
O óleo da azeitona tem gordura boa.

Carnes
De vaca, frango, peixe… Vale tudo.

Cogumelos
De todos os tipos, à vontade.

Ovos
Liberados em qualquer refeição.

Tubérculos
Batata-doce e inhame seriam os melhores.

Frutas com baixo índice glicêmico
Abacate, coco, morango e damasco fazem parte da lista.

Leguminosas
Grão-de-bico e lentilha, mas com muita moderação.

Verduras e legumes
Pode variar e investir sem medo.

Oleaginosas
Prove amêndoas, castanhas, nozes…

O QUE É MELHOR EVITAR

Os alimentos e grupos abaixo são contraindicados na dieta low carb

Leite desnatado
O ponto fraco é que não tem gordura.

Doces
Têm açúcar pra dar e vender.

Massas
Aposente macarrão, lasanha, nhoque…

Industrializados
Não são considerados comida de verdade.

Milho
Em qualquer receita, ele está vetado.

Pães
É o símbolo máximo do carboidrato, né?

Sucos de frutas
Tem que evitar os naturais e o néctar.

Tapioca
É bastante similar ao pão.

Refrigerante
Um verdadeiro poço de açúcar.

Frutas com alto índice glicêmico
Banana, melancia, manga, uva e abacaxi são exemplos.

Arroz branco
Nem o integral deve entrar no prato.

Batata-inglesa
Tem menos fibras que os outros tubérculos.

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