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Alimentação em tempos de crise por coronavírus

Durante o confinamento social, convém ampliar a atenção à mesa. Tanto para garantir a imunidade em alta como para evitar erros que podem pesar na saúde

Por Thaís Manarini
Atualizado em 18 ago 2020, 10h47 - Publicado em 10 abr 2020, 10h51

De forma curta, mas delicada, todos os profissionais ouvidos por esta reportagem avisam: não há ingredientes específicos ou receitas mágicas capazes de turbinar o sistema imune para debelar inimigos como o novo coronavírus (Sars-CoV-2). Então, esqueça “shots da imunidade” e pare de mastigar alho cru — orientações inusitadas que, na maioria das vezes, são transmitidas nas redes sociais sem embasamento científico.

Isso não significa, porém, que deixe de existir uma relação íntima entre a alimentação e as nossas defesas. “A verdade é que dietas desequilibradas comprometem as funções do sistema imune”, declara Gustavo Menezes, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em imunologia pela Universidade de Calgary, no Canadá.

O nutricionista João Pinheiro, da RG Nutri, em São Paulo, conta que um padrão de dieta baseado em muito açúcar e gordura e quase nada de vegetais pode alterar as chamadas tight junctions. “Trata-se de um complexo no intestino cuja função é regular a passagem de substâncias e micro-organismos para a corrente sanguínea”, traduz. Quando ele está enfraquecido, agentes como vírus e bactérias conseguem ultrapassar essa barreira e alcançar a circulação mais fácil.

“A maior prova da relação entre alimentação e imunidade é que indivíduos desnutridos são mais suscetíveis a infecções”, afirma a nutricionista Ivone Mayumi Ikeda Morimoto, professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Em resumo, o que importa é o cardápio como um todo. “Existe uma grande diferença entre isso e os alimentos ditos milagrosos”, reforça a nutricionista Bárbara Rita Cardoso, pesquisadora da Universidade Monash, na Austrália.

Mais do que nunca precisamos ouvir o recado e cuidar das refeições. “Se daqui a pouco chegarmos ao auge da infecção por coronavírus e estivermos mal alimentados, o impacto da epidemia será muito forte”, avalia Menezes.

Por isso, o período de confinamento não pode ser pautado só por praticidade e regado a pratos prontos industrializados, salgadinhos, doces, refrigerantes e fast-food. “Até porque será um período de menor gasto calórico”, lembra a nutricionista Maísa Antunes, pesquisadora da UFMG.

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Além de equilíbrio à mesa, o contexto atual pede medidas convenientes e factíveis para ninguém precisar ir ao mercado toda hora ou, no extremo oposto, jogar comida no lixo. A seguir, acompanhe as recomendações de quem entende para uma quarentena mais nutritiva e saudável.

Bote a mão na massa

O tempo extra dentro de casa é uma baita oportunidade para colocar em prática os dotes culinários e fazer comida de verdade. “Mas foque em preparos saudáveis”, ressalta Ivone. “Dá até para chamar as crianças para participar”, sugere Bárbara. A nutri comenta que estimular o contato com o preparo dos alimentos é uma das estratégias para plantar bons hábitos entre os pequenos.

Para muita gente, no entanto, o ritmo de trabalho segue tão intenso quanto no escritório. “Aí, a praticidade é importante”, reconhece a nutricionista Lara Natacci, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. Ou seja, tudo bem pedir um prato no delivery. Basta buscar opções balanceadas, com vegetais refogados, carnes magras…

Capriche na hidratação

Segundo a professora da PUC-PR, a saliva, o muco do nariz e as secreções do estômago e do intestino possuem substâncias cruciais para a destruição de patógenos. Mas, para produzir tudo isso, precisamos de… água. “Ela não só compõe grande parte do organismo como todas as reações metabólicas ocorrem em meio líquido”, completa Lara. Para assegurar os goles, mantenha uma garrafinha sempre por perto.

Embora a água pura seja a opção mais adequada para hidratar, outros líquidos dão uma força. Só evite néctares e refrigerantes, que são abarrotados de açúcar. Dê preferência a sucos e chás naturais. Aliás, por falar neles, mensagens espalhadas pelas redes sociais dizem que infusões de erva-cidreira ou abacate com hortelã previnem o coronavírus. “Não faz sentido”, alerta Maísa. As bebidas nutrem e hidratam — e só!

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Invista nos vegetais

Uma revisão de 83 estudos conduzida na Universidade de Newcastle, na Austrália, concluiu que o maior consumo de frutas, verduras e legumes melhora a atuação do sistema imunológico. É que esses alimentos reúnem micronutrientes (isto é, vitaminas e minerais), fibras e compostos com ação antioxidante, um combo benéfico para nossas células de defesa.

A nutricionista Sizele Rodrigues, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, nota que, em casa, dá para apostar em frutas consideradas mais difíceis de levar ao trabalho, como melancia e abacate. Outra dica é alternar entre vegetais de todas as cores para ter acesso a diferentes substâncias.

Frutas cítricas são especiais?

Laranja, acerola, abacaxi e afins levam vitamina C, vedete quando o tema é imunidade. Sizele reconhece que ela é um potente antioxidante, capaz de blindar as células contra perigos. Mas, para obter a vitamina, só ajuste a dieta. Nada de suplementos: o excesso pode até trazer prejuízos, como pedras nos rins.

Monte lanches nutritivos

Além das frutas, outras candidatas a snacks perfeitos nesse período de quarentena são as sementes, como chia e linhaça, e as oleaginosas, a exemplo de castanhas, nozes e amêndoas. “Elas possuem gorduras boas, vários micronutrientes e altas concentrações de proteínas e fibras, que contribuem para a saciedade”, descreve Bárbara.

Um destaque é a castanha-do-pará, principal fonte de selênio na alimentação — mineral reconhecidamente pró-imunidade. A nutricionista indica uma porção de 30 gramas das nuts por dia, o equivalente a uma mão cheia. Você pode comê-las sozinhas ou misturar à salada, ao iogurte e ao mix de frutas. Outro ponto forte é que elas duram bastante após a compra.

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Abuse de especiarias

Para a nutricionista Marina Sallum, da RG Nutri, a fase de isolamento nos permite transformar a cozinha em um verdadeiro laboratório de testes e as refeições em intensas experiências sensoriais. Entre os ingredientes que merecem espaço nessa jornada estão os temperos naturais. “As versões prontas geralmente são ricas em sódio e aditivos e apresentam baixo valor nutricional”, aponta.

As ervas e especiarias, por sua vez, não só carregam substâncias amigas da imunidade como trazem novos sabores e aromas aos pratos mais triviais. Inclua na rotina opções como cúrcuma, canela, alecrim, coentro, endro, gengibre, hortelã, manjericão e pimenta-do-reino.

Cuide da microbiota

Esse termo diz respeito à população de micro-organismos que habita o intestino. E quanto mais representantes do bem ali, melhor para o sistema imune. Uma das formas de aperfeiçoar esse balanço é mexer na dieta.

Iogurtes e leites fermentados, fontes de bactérias benéficas, dão sua contribuição. “Mas o consumo deve ser frequente”, salienta Maísa. Fontes de fibras, como vegetais, cereais integrais e leguminosas, servem de comida às criaturinhas aliadas. Em troca da refeição, elas ajudam a nos defender.

Evite dietas restritivas

Para que nossas defesas trabalhem em plenas condições, devemos oferecer ao corpo uma gama de nutrientes. Isso fica difícil quando se mantém um menu severo, desses que eliminam grupos alimentares inteiros. “Quem corta carboidratos, por exemplo, pode sofrer com a deficiência de fibras, algumas vitaminas e certos minerais”, alerta Pinheiro. “Agora não é hora de dietas malucas.”

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Aposte em boas fontes de proteína

A nutricionista Lara Natacci conta que o sistema imunológico depende de proteínas para detectar e exterminar agentes perigosos. Um dos redutos proteicos clássicos é a carne bovina. Mas não convém abusar: comê-la de duas a três vezes por semana está de bom tamanho. Até porque há outras opções para diversificar o menu, como frango, ovos e peixes.

Entre os pescados, há espécies que ostentam ainda ômega-3, gordura de propriedade anti-inflamatória. “A sardinha enlatada é a escolha de melhor custo-benefício”, alega Lara. Para os vegetarianos e veganos, ela destaca chia, linhaça e nozes, além de leguminosas, a turma do feijão, da ervilha e do grão-de-bico.

Tenha produtos secos na despensa

Hora de retomar o consumo do tradicional arroz com feijão. Eles são itens de alta durabilidade e, em termos nutricionais, só trazem ganhos — afinal, se complementam no quesito proteínas e agregam vitaminas, minerais e fibras. “Você pode preparar o feijão de uma só vez e congelar em pequenas porções”, aconselha Sizele.

O macarrão é outro tipo de produto seco que aguenta um tempão no armário. Para melhorar, é fácil e rápido de fazer. “As pessoas tendem a achar que ele é um vilão, mas não é verdade. Tudo depende do acompanhamento”, esclarece a nutricionista. Nessa linha, deixe os gordurosos e calóricos molhos de quatro queijos e carbonara para ocasiões especiais. Na rotina, Sizele indica priorizar molhos como o de tomate natural, alho com brócolis e também primavera, feito à base de vários legumes.

 

Faça uma lista

Essa atitude agiliza as visitas ao supermercado, algo importante nos dias de hoje, em que o recomendado é permanecer em casa. A nutricionista Renata Guirau, do Oba Hortifruti, em São Paulo, afirma que o melhor é planejar um cardápio para todos os dias da semana. “Isso permite uma compra mais assertiva, tanto em relação aos tipos de produtos como às quantidades”, observa.

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Com essa listinha, a possibilidade de ver comida se deteriorar é muito menor. Entre os fatores a serem considerados ao montá-la, Renata cita o tamanho da família, as preferências das pessoas e possíveis restrições alimentares.

Pegue leve nos perecíveis

Embora a gente deva ir menos à rua, estocar alimentos para meses não deve ser cogitado. “Isso gera escassez e aumento de preço”, raciocina Menezes. Maneire sobretudo nos perecíveis para não correr o risco de acabar desperdiçando-os.

“As folhas e frutas já cortadas são os vegetais que estragam mais rápido”, informa Renata. Ainda de acordo com ela, as folhas não ficam bacanas congeladas e, apesar de ser possível levar as frutas ao freezer, elas perdem textura. “Desse jeito, só compensa utilizá-las em sucos e vitaminas”, orienta.

Vegetais que duram

A nutricionista Ana Beatriz Barrella, da RG Nutri, diz que chuchu, beterraba, acelga, cenoura e abobrinha têm vida longa. De qualquer forma, Renata ressalta que os legumes podem passar por branqueamento. “É só deixar o vegetal em água fervente por três a cinco minutos, retirar e dar um choque térmico em água gelada, levando ao freezer em seguida.” Isso aumenta a durabilidade.

Selecione bem os enlatados

Eles são atraentes porque o prazo de validade é gigante. Mas tem que avaliar quais realmente valem a pena. Para Renata, as versões congeladas de certos itens, como milho e ervilha, são mais interessantes do que as latas, que podem concentrar altas doses de sódio (em excesso, o mineral eleva a pressão) e liberar substâncias duvidosas nos alimentos.

Em relação aos peixes, a história é outra. “Estamos em um momento complicado para conseguir comprá-los frescos”, comenta Ana. “Para variar o cardápio, não tem problema recorrer à sardinha e ao atum enlatados”, sugere. Só fique de olho no sódio, combinado?

Adapte porções

O confinamento tende a fazer o gasto calórico despencar — especialmente se não houver uma rotina de exercícios. Por isso, muita cautela ao montar as refeições. Se extrapolar, há o risco de ver o peso subir. Além disso, Menezes adverte que o sistema imune não reage bem a mudanças bruscas na dieta. Comer demais pode atrapalhá-lo.

Aproveite tudo

Os nutricionistas sempre batem nessa tecla, e eis um momento propício para repetir o pedido: não se desfaça de talos, sementes, folhas etc. Isso prorroga idas ao mercado e, acima de tudo, enche o corpo de substâncias bem-vindas. “Às vezes, os principais nutrientes estão nessas partes”, defende Maísa.

Lave bem os alimentos

Estudos ainda estão checando o tempo de vida do coronavírus em várias superfícies. Mas a perspectiva é de que o bichinho seja duro na queda.

Então, empenhe-se na limpeza dos alimentos — eles possivelmente foram manipulados no mercado antes de você. Renata recomenda lavar os vegetais em água corrente e deixar de molho em hipoclorito de sódio, conforme as instruções da embalagem. Depois, enxágue.

Até produtos em caixas, latas, garrafas, bisnagas e vidros merecem higienização — use água e detergente. Para abater um novo inimigo, precisamos
de novas atitudes.

As ciladas das quais devemos fugir:

Suplementos: o abuso de nutrientes pode ser perigoso. Use só com aval do médico ou nutri.

Chás: ajudam a hidratar. Mas não possuem poderes especiais frente ao coronavírus.

Alho e gengibre: têm substâncias legais para o corpo. Mas não fazem diferença isoladamente.

Uísque com mel: a receita foi divulgada como a cura da Covid-19. Não tem cabimento!

Bebidas quentes: textos nas redes dizem que elas matam o coronavírus. Pura besteira.

Muito álcool: o isolamento pode culminar em abusos. Só que a bebida alcoólica abala a imunidade. Cuidado!

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